sábado, 26 de maio de 2012

Os lugares escuros de James Ellroy


Jamais a conheci em vida. Ela existe para mim através dos outros, como prova dos caminhos em que a sua morte os lançou. Voltando ao passado, buscando apenas fatos, eu a reconstruí como uma menina triste e uma prostituta, quando muito alguém-que-poderia-ter-sido, rótulo que também poderia se aplicar a mim. Gostaria de lhe ter concedido um final anônimo, de tê-la relegado a breves palavras de detetive, num relatório sumário de homicídio, com cópia carbono para o legista, e mais papelada para enterrá-la em vala comum. O único erro em relação a esse desejo é que ela não teria gostado que fosse assim. Por mais brutais que sejam os fatos, ela gostaria que fossem todos revelados. E como lhe devo muito e sou o único que sabe a história inteira, incumbi-me de escrever essas memórias. James Ellroy, Dália Negra.

Confesso que as histórias policiais ajudaram a me tornar um leitor contumaz. Na escola primária, quando as visitas à biblioteca eram livres, eu sempre me dirigia para a estante de livros infanto juvenis de mistério. Em que série eu estava? Talvez na quinta série do ensino fundamental. Um pouco mais velho, li inúmeros “clássicos” como Agatha Christie e o grande Arthur Conan Doyle. Da Agatha, me livrei. Não posso dizer o mesmo dos livros do Sherlock Holmes.

Ainda que com o passar do tempo meu gosto literário tenha se complexificado, volta e meia eu volto aos livros policiais. Dashiell Hammet, Raymond Chandler, Chester Holmes e alguns outros são boa leitura, ao contrário de toda uma coleção de péssimos escritores, chatíssimos, como esses Dean Koontz e Robert Ludlun, os quais devo dizer que nunca me chamaram a atenção.

Depois de um longo período sem ler nenhum romance policial, começo a ler sobre um certo James Ellroy. Mais do que escritor, pelo que vi, é dono de uma biografia interessantíssima e hábil na criação de mitologias em torno de si. Ellroy chamou muito a atenção de vários dos jornalistas que escrevem nos “suplementos culturais” por sua língua afiada e seus “modos”.


Sergio Rodriguez fez uma comparação interessante entre dois autores contemporâneos, ambos estadunidenses e autores de obras grandes, amplos painéis de uma época. Jonathan Franzen e James Ellroy. A citação é longa, mas foda-se, isso é um blog, não é? Aí vai:


Isso não quer dizer que eles sejam parecidos. Nem de longe, embora ambos se declarem fãs e devedores do grande mestre do romance oitocentista, Leon Tolstoi. Quer dizer apenas que mérito e reconhecimento são curvas independentes, que se encontram e se desencontram de modo imprevisível. Ellroy é mais fragmentado, nervoso, experimental, paranoico, sujo e desbocado que seu compatriota que vem sendo chamado de gênio. Em vez de aspirar a um romance redondo, produz narrativas prismáticas e cheias de arestas que incorporam personagens da vida real, notícias de jornal e relatórios de legistas. Despreza a classe média “normal” que é o pasto de Franzen e se concentra em marginais e poderosos, extremos que se tocam. Parte de um gênero que os críticos de nariz em pé consideram menor, a literatura policial, e, embora seja preciso esquartejá-lo para fazer sua abordagem eminentemente política caber nesse escaninho, paga um imposto alto por ter sangue e armas nas capas de seus livros.
Não é só. Distante da imagem de bom moço de Franzen, Ellroy é um ex-detento e ex-drogado para quem a literatura foi de fato uma boia na tempestade – dado biográfico que, ao mesmo tempo que ajuda em sua divulgação em nossos tempos de culto à personalidade, contribui para folclorizá-lo e diminuí-lo como artista. Além do mais, parece meio maluco e já andou se declarando “o maior escritor policial que jamais viveu”. Antipático, não?


Antipático? Ora, vamos realmente acreditar que um cara como Ellroy está minimamente preocupado em ser simpático?

Acabei de ler “Meus lugares escuros”, uma das obras publicadas mais recentemente em português. Saí convencido de que se trata de alguém que está muito pouco preocupado em agradar. Esta obra é uma espécie de autobiografia, escrita como um rosário de obsessões. Ele começa o livro com uma descrição detalhada do assassinato de sua mãe, Jean Ellroy, quando James tinha dez anos de idade. Em um primeiro momento coloca-se à distância, narrando as circunstâncias em que o corpo da ruiva (ele se refere a mãe dessa forma ao longo de quase toda a obra) foi encontrado, em meio a hera.

Na segunda parte do livro, narra as circunstâncias de sua vida que o levaram à literatura. A solidão de Los Angeles, onde vivia com o pai, as horas que dedicou à leitura de romances policiais e, no início da adolecência, a descoberta das drogas e da marginalidade. Ellroy passou inúmeras vezes pela prisão por pequenos crimes, morou cinco anos nas ruas como mendigo, usou drogas em escala farmacêutica e acabou salvo. Não pela fé, mas pela literatura.

A terceira parte do livro é narrada no compasso dos acontecimentos. Ellroy maduro e reconhecido como escritor decide voltar à cidadezinha onde a Ruiva foi assassinada e reabrir a investigação. E a partir daí o que é narrado é um acerto de contas do autor com o seu passado. Barra pesadíssima.

Isso não é uma resenha, então, encerro por aqui. Se quiserem saber mais, leiam o livro. 

3 comentários:

  1. Eu já tinha lido a comparação do Franzen com o Ellroy pelo Sérgio Rodriguez (não me lembro onde, fatou a fonte ali). O Franzen não me agrada muito, pensei em ler uma vez o "Liberdade" (tem uma edição econômica da Cia das Letras) mas tenho coisa mais interessante na fila. O Ellroy eu imagino que seja foda, uma hora vou ler.

    Uma digressão. Compartilhando experiências de leitura infantil, quando eu estava na quinta série lia Asimov e H.G. Wells. Era louco por ficção científica (não me pergunto porquê) e, de certa forma, sou até hoje...

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  2. Cara, acho que vais gostar do Ellroy, especialmente esse que eu comentei. Puta livro, mesmo. O Dália Negra, que é um dos melhores, senão o melhor dele, está naquela coleção de bolso da Record, por RS 19,90. Recomendo muitíssimo!

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  3. Ótima dica. Gosto muito do Ellroy. Este que comentaste não li. Vou atrás. Abraço.

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