sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Entrevista com Lobão


Essa entrevista que reproduzo abaixo, disponível no site do Le Monde Diplomatique Brasil, é uma das manifestações características do Lobão. Inteligente, provocativa e muito irônica, a entrevista merece a leitura.

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01 de Dezembro de 2010
Le Monde Diplomatique Brasil
Edição 41, dezembro de 2010

Entrevista com Lobão
PELA EQUIPE DE REDAÇÃO

Estamos Ficando Caretas?

João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão, recebeu a equipe do Le Monde Diplomatique Brasil em seu estúdio para uma entrevista polêmica, na qual falou de política, cultura pop, direito autoral, da apatia dos brasileiros diante dos problemas do país e sobre o que acredita ser um processo de caretização nacionalista
por Entrevista com Lobão

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL – Como você vê o cenário atual da música pop brasileira, principalmente depois do VMB (Vídeo Music Brasil, da MTV) deste ano?

LOBÃO – Olha, o que eu acho mais grave no Brasil é o culturalismo nacionaloide que existe. Esses Restart da vida, isso sempre existiu, é Menudo, é uma febre da adolescência pré-menstrual. O problema são esses grupos de chorinho fake, esse universitário brega. Isso é um retrocesso. O Brasil, nestes últimos anos, ficou mais burro, mais sectário. No índice de confiança da Fundação Getulio Vargas, em primeiro lugar, está o exército e, em segundo, as igrejas! Isso é um processo de caretização nacionalista no qual a juventude meio chapa branca entra numa de reinvenção regressiva, achando que os anos dourados foram aqueles não vividos por ela. Isso é a pior coisa para um processo de evolução cultural, artística, social.

Você tem isso em várias áreas. No sertanejo universitário, no chorinho universitário e até no samba-rock universitário com o Jorge Ben. Se eu fosse acadêmico, gostaria de ser sociólogo para pesquisar o porquê da nossa culpa católica, de um país eminentemente católico e culpado, uma intelectualidade francófila, né? O nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fala francês no Parlamento de Paris, mas não vai dizer: “God save America”. Não sei por que cargas d’água esse antiamericanismo, é uma coisa estúpida. Por que a gente deveria setorizar as nossas críticas? Eu acho que a cultura americana, no seu bojo, é maravilhosa. Ela é uma síntese de toda a cultura do mundo. Mesmo o reduto americano sendo muito nacionalista, tem uma parte que não é retrógrada – a que pisou na Lua, que fez o jazz, que inventou o rock’n’roll, que criou Martin Luther King. Tudo isso é justamente a alma americana, e por que não achar legal?

DIPLOMATIQUE – E como você vê a cultura dos “de baixo” no Brasil?

LOBÃO – É horrível. Você vai à Bahia e vê as piores manifestações culturais, aquele cheiro de mijo, aquele axé horroroso. Não vejo no Brasil atual nada muito elegante a não ser coisas estereotipadas, como aquele Antonio Nóbrega, que eu acho um horror, e o Ariano Suassuna, que é um nazistoide! Ele escreve bem pra caramba, mas seu corolário estético e ideológico não pode ser mais fascista, mais nacionalista. O pensamento brasileiro é completamente errado. Por exemplo, um sujeito critica o fluxo de cultura atual, diz que somos colonizados pelo império americano, que o Michael Jackson vem aqui e dissemina uma cultura degenerada etc... Mas em 1690, quando o Maurício de Nassau veio aqui, ele não inventou de botar uma colônia holandesa? Teve colônia francesa, portuguesa, teve colônia africana trazida pelos escravos. Misturou tudo, e esse processo sempre foi um caos. Por que, então, você vai criticar aquela imposição, vamos dizer assim, colonizadora? Nós somos um país colonizado eternamente e, inclusive, nos vangloriamos de parte desse passado. Quero saber qual é a arbitrariedade, qual é a melhor colonização? Quem vai dizer que aquela é a melhor, qual é permitida?

Eu acho que os intelectuais brasileiros estão lambendo o saco do Chico Buarque, que é uma quimera. Chico Buarque é um menino que não entende nada da vida, ele goza com o pau dos outros, tem inveja de pobre. Pode ter talento, mas ele pensa errado, e não me interessa por que pensa errado. Eu não me interesso por Ariano Suassuna. Eu posso, no máximo, ter uma admiração artística, mas não posso me identificar com Antônio Conselheiro. E é de maneira esquizofrênica que nos identificamos com Antônio Conselheiro. Você vê o José Celso Martinez Corrêa fazer uma ode a Antônio Conselheiro em uma peça de seis horas, como se fosse o nosso herói, ao mesmo tempo baseado no Euclides da Cunha, que era um frenólogo que media a capacidade pela orelha, pelo cérebro, e aí tem essas dicotomias. Os sertões, de Euclides da Cunha, é um corolário de preconceitos e é horrível, e as pessoas têm isso como um mártir. Agora querem censurar Monteiro Lobato porque chamaram a Tia Anastácia de macaca, de carvão. Você pode com um país desse?

DIPLOMATIQUE – Você acompanhou essa consulta pública que o Ministério da Cultura abriu para discutir o direito autoral?

LOBÃO – Isso não tem a menor credibilidade. Aquilo é uma raposa no galinheiro, tudo é uma panela do Gilberto Gil, que acabou com a cultura. Em 2002 estávamos lançando a revista Outra Coisa, a cena independente estava crescendo, tinha uns 50 mil festivais. Essa era a tendência natural do povo brasileiro. Aí chegam eles, revivendo o pagode, o axé, injetando dinheiro e exportando aquele carnaval micareta para todo o Brasil. Isso fez do Brasil uma caricatura que ele vendeu, como no Ano do Brasil na França, exportando o que há de pior na Bahia. O que as pessoas acham? Pitoresco? Conheço uma croata que sempre vem ao Brasil, e quando o Gil foi empossado, ela disse: “Mas ele é um herói”. É um herói, mas dos anos 1960.

Por que você tem que voltar a ser neolítico? Eu já não sou mais. Como é que eu vou voltar? Já ouvi Led Zeppelin, Beatles... vou voltar a tocar aquelas coisas medíocres? Eu não sou aquilo. E aí vem aquela coisa do nacionalismo/raiz. Mas o ser humano não é movido a clorofila, tem sangue, não tem raiz, tem pé, e os mais assanhadinhos têm até asa. Essa onda de nacionalismo e conservadorismo em todo o mundo é da pior espécie e move todas as guerras. Um país que tem as forças armadas e a religião como seus esteios morais não tem muito futuro.

DIPLOMATIQUE – Você vendeu CD em bancas de jornal. O que acha dessas novidades tecnológicas, como baixar música na internet?

LOBÃO – Sério, isso daí é uma discussão no vazio, né? Eu fiz a venda em banca porque, na época, o CD virgem custava dois centavos. Quando eu terminei, estava custando R$ 3. Na época da ditadura, todos os LPs, até os anos 1980, tinham um selo dizendo “disco é cultura”. Tendo aquele selo, automaticamente você tinha 23%, 25% de desconto do ICMF. Aí você ficava equivalente à indústria editorial, que tem essa isenção até hoje. Foi por isso que eu fiz essa parada. E agora, por que tem que ficar contra o ministro da Cultura? Porque naquela época a indústria fonográfica era a terceira mais lucrativa do mundo, só perdia para o tráfico de drogas e de armas. Então tinha mais de 2.000% de lucro, e eles não deram a menor bola para aquilo, pararam de carimbar o disco da cultura. Driblei as gravadoras justamente porque migrei para o núcleo editorial e lancei o CD com isenção daqueles impostos. Olha só o disparate: a revista Outra Coisa custava R$ 9,90 na banca, enquanto um CD normal variava de R$ 38 a R$ 40 na loja.

A sensação que eu tenho é que a sociedade brasileira ou fica calada ou até aplaude. Somos um país com uma carga de impostos imoral. Olha só o que a gente tem em volta, educação, cultura. Estamos com uma lei para criminalizar o jabá, aí o Gil assume: “Mas jabá é coisa nossa, jabá é jeito bem-vindo do brasileiro fazer”. Porra! Não dá! Eu tenho inveja e adoraria ter nascido com um bandolim debaixo do braço e surfar nas águas da tradição de uma maneira genuína. Seria o melhor para mim. Mas é que eu não tenho compatibilidade, eu discordo, e o que é pior, acho culturalmente desprezível.

Cito Edgar Morin, filósofo francês que diz: “É uma questão de imprinting cultural”. Eu luto contra um imprinting. O problema não é você imitar fulano ou sicrano. É você imitar. A minha crítica é imitar, o brasileiro imita o tempo todo e continua um ser vulgar e, o que é pior, vaidoso. Acho que Bahia e Rio de Janeiro são os lugares mais geonarcísicos que eu conheço. Você não tem evolução, porque a satisfação é plena.

DIPLOMATIQUE – Publicamos recentemente uma matéria sobre tecnobrega no Pará. Eles ganham dinheiro com as festas de aparelhagem, fazem acordos com camelôs para vender CD. Um sistema próprio deles. O que você acha?

LOBÃO – Quando a lei vigente caduca, ela é corrompida. O problema é que a lei era para ter sido reeditada há mais de 30 anos. Essa coisa de numeração dos discos [para evitar cópias falsificadas e garantir o recolhimento dos direitos autorais] já vem de 1970. A gente passava na casa do Chico Buarque, nos anos 1980, o tempo todo. Todo mundo reunido. Era eu, Chico, Caetano, Gil, Renato Russo, Roberto Carlos, Cazuza, Paralamas, Elba Ramalho, dupla sertaneja. Passamos dois anos pensando, para você ver a gravidade que era aquilo. Aí, quando chega na hora, neguinho dá uma de João-sem-braço. Então a gente não tem consistência para levar a cabo nenhum tipo de condução de estratégia. A Beth Carvalho falava: “Artista brasileiro só se encontra em duas possibilidades: no aeroporto ou em premiação”. Você não tem como articular. Eu vivenciei isso amargamente.

As pessoas têm de entender que a censura maior está sendo agora, porque com o tempo de censura nós tivemos nomes que se sobressaíram, mesmo de classe média, Chico Buarque, Caetano, Gil, Edu Lobo, todos venceram a tal da censura, enquanto que agora não tem ninguém de valor conseguindo entrar no mercado.

DIPLOMATIQUE – É uma censura do mercado, não é?

LOBÃO – Mas não é a questão da censura do mercado, porque isso não é constituição de concorrência de mercado, isso é um problema ético. Se você cobra o jabá e favorece pessoas, você não está sendo mercadológico. Você está fazendo uma ciranda arbitrária. As pessoas têm de entender que isso aí é bandidagem e está acabando com a cultura brasileira, porque os caras mais legais desistiram de tocar no rádio. E o que é pior, você pega uma banda como Restart, que está tocando, vem um cara e diz assim: “Ó, vem cá”. E traveste os caras, que dizem amém e fazem aquela merda.

Não existe nada que não seja inofensivo na cultura brasileira. É só você olhar as novelas, o que acontece no rádio, o que as pessoas aplaudem, o que as pessoas ouvem. Tudo é de leve. Chega a ser cínico, você não vai acreditar que tem um tiroteio no Rio de Janeiro e as pessoas estão ouvindo “O Barquinho” com cadáveres do lado. Esse é o Rio de Janeiro. Isso me dá raiva porque aí você vai para a praia e tem gente que está aplaudindo o pôr do sol, todo mundo com biriba, fumando maconha, com tiro saindo pela cabeça. É barra pesada. Agora as pessoas revertem isso numa poesia, e tudo é azul. E não é.

DIPLOMATIQUE – Você acha que os Racionais MC’s jogam a real?

LOBÃO – Não. Os Racionais são mais racistas que a gente. Conheci o mestre deles, um amor de pessoa, mas ouvi coisas do tipo: “Ó, vai falando para os seus pupilos, não aperto a mão, entendeu?”. Não aperta mão de branco. Não pode ser assim. Eu não acho que seja assim, nem o Martin Luther King achava. Para você curar um racismo, você não tem de adotar outra postura mais racista. Para a gente começar um novo paradigma, tem de ter a generosidade de zerar tudo. Se a gente fizer e equiparar com coisas erradas para empatar, isso nunca vai acontecer. Os Racionais, que eu admirava muito em 1998, foram ficando muito autossuficientes e começaram a praticar as mesmas atrocidades de que eles são vítimas. Aí zera tudo, não acontece nada e eles voltam para o gueto, como voltaram, e estão lá falando do gueto para o gueto, regurgitando conceitos que talvez nem eles acreditem mais.

DIPLOMATIQUE – Você lançou recentemente a sua autobiografia. Por que fazer um livro?

LOBÃO – É só olhar para a minha cara, né? Eu tenho 53 anos e acho que sou a pessoa que tem mais histórias para contar, e tenho mesmo, é só você olhar no livro. Acho que o tema é importantíssimo por vários motivos. Agora, o mais interessante e lúdico é justamente que eu venho de uma família de direita, o meu pai era meio nazista, a minha mãe era da Arena. O que foi interessante ver, nos anos 1960, é que toda hora a direita estava com a esquerda. Por exemplo, a minha mãe era fã do Médici. Ela ficava emocionada, com os olhos azuis dele, ela chorava. Aí via o Chico Buarque na televisão, aqueles olhos verdes. Por isso eu começo o livro falando assim: mamãe era fã de ambos, a ponto de não distinguir onde começava um e terminava o outro.

Eu vivi na época em que imputaram na gente a Moral e Cívica, uma coisa execrável, militarista. E qual era o ídolo das duas professoras octogenárias que eu tive em Moral e Cívica? Chico Buarque de Holanda. Elas eram curadoras de um festival do colégio onde eu estudei com o Zé Renato e o Cláudio Lucci. Todos eram os novos Chico Buarque de Holanda. A gente queria fazer rock, mas nunca consegui classificar uma música minha. Eu vi a passeata contra a guitarra elétrica. Gilberto Gil, Caetano, Chico, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Egberto Gismonti, Edu Lobo, Elis Regina, todo mundo. Você quer uma coisa mais retrógrada? Eu começava a pensar assim: se tem um cara como o Chico, que escreve “Essa moça tá diferente, já não me conhece mais, está pra lá de pra frente, está me passando pra trás”, é isso mesmo, então fica pra trás, rapaz. Eu fui ver o Bye Bye Brasil, em 1978, e tinha um curta do Chico, no qual ele pleiteava de uma maneira muito séria o romantismo: cadê as serenatas ao luar, cadê as serenatas e os sobrados? Desgraçado. Eu chorava porque a minha namorada morava no 16o andar. Como é que vou fazer serenata?

A cultura brasileira tende a se autossacralizar, se tornar uma língua morta. Eu adoro choro. Se você vai ouvir um choro, é inevitável se transportar para o século XIX, para o sobrado. Você não vai conseguir ouvir o choro e ir para uma estrada. Você vai ouvindo América, folk, Bob Dylan. E a bossa nova? A bossa nova é um fenômeno brasileiro que pegou o jazz complexo e o transformou em vulgar. Eu não consigo dissociar “Garota de Ipanema” de uma loja de departamentos ou um elevador. Onde mais eu posso ouvir “O Barquinho”? Comprando uma meia ou num elevador, eu não vou estar numa sala de concerto ouvindo “O Barquinho”. E as pessoas não entendem isso.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Man in black


Às vezes me perguntam porque eu ando sempre (ou quase...) de preto. Aí vai a resposta musical do Johnny Cash para a perguntinha. No original e em uma tradução meio suspeita. Se quiseres ouvir, vá ao Youtube, ok?
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Man In Black (Johnny Cash)

Well, you wonder why I always dress in black,
Why you never see bright colors on my back,
And why does my appearance seem to have a somber tone.
Well, there's a reason for the things that I have on.

I wear the black for the poor and the beaten down,
Livin' in the hopeless, hungry side of town,
I wear it for the prisoner who has long paid for his crime,
But is there because he's a victim of the times.

I wear the black for those who never read,
Or listened to the words that Jesus said,
About the road to happiness through love and charity,Why, you'd think He's talking straight to you and me.

Well, we're doin' mighty fine, I do suppose,
In our streak of lightnin' cars and fancy clothes,
But just so we're reminded of the ones who are held back,
Up front there ought 'a be a Man In Black.

I wear it for the sick and lonely old,
For the reckless ones whose bad trip left them cold,
I wear the black in mournin' for the lives that could have been,
Each week we lose a hundred fine young men.

And, I wear it for the thousands who have died,
Believen' that the Lord was on their side,
I wear it for another hundred thousand who have died,
Believen' that we all were on their side.

Well, there's things that never will be right I know,
And things need changin' everywhere you go,
But 'til we start to make a move to make a few things right,
You'll never see me wear a suit of white.

Ah, I'd love to wear a rainbow every day,
And tell the world that everything's OK,
But I'll try to carry off a little darkness on my back,'Till things are brighter, I'm the Man In Black.



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Homem de Preto

Bom, você imagina por que sempre me visto de preto,
Por que nunca vê cores brilhantes nas minhas costas,
E por que minha aparência parece ter um tom sombrio.
Bom, existe uma razão para as coisas que visto

Eu visto o preto pelo pobre e oprimido,
Vivendo no lado faminto e sem esperança da cidade,
Eu o visto pelo preso que há muito tempo já pagou pelo seu crime,
Mas está lá porque ele é uma vítima dos tempos.

Eu visto o preto por aqueles que nunca leram,
Ou escutaram as palavras que jesus pronunciou,
Sobre a estrada para a felicidade através do amor da caridade
Por que, você pensaria que ele está falando diretamente para você e eu.

Bom, nós estamos indo muito bem, eu suponho,
Na nossa fileira de carros reluzentes e roupas da moda,
Mas, então, somos lembrados daqueles que são excluídos,
Na frente, tem que existir um homem de preto.

Eu visto pelo velho doente e solitário,
Pelos descuidados que se tornaram frios por causa de uma péssima experiência
Eu visto preto em luto pelas vidas que poderiam existir,
A cada semana perdemos cem bons homens jovens

E, eu visto pelos milhares que morreram,
Acreditando que o senhor estava do lado deles,
Eu visto pelos outros milhares que morreram,
Acreditando que todos nós estávamos do lado deles.

Bom, existem coisas que nunca serão certas, eu sei,
E coisas que precisam de mudanças em qualquer lugar que você vá,
Mas, até nós começarmos a nos mexer para endireitarmos algumas coisas certas,
Você nunca me verá usando um terno branco.

Ah, eu adoraria vestir um arco-íris todos os dias,
E dizer para o mundo que tudo está ok,
Mas tentarei retirar um pouco da escuridão das minhas Costas,
Até as coisas serem brilhantes, eu sou o homem de preto.

House para os crentes...

Sidney Sheldon é dose pra mamute

Gosto da Amy Winehouse. Seus dois discos andaram um bom tempo na minha playlist. No entanto, a exposição promovida pelos portais de fofoca é realmente um saco. Puta que o pariu, não pinta uma mísera análise do trabalho da Amy que, ainda que muitas vezes isso nem seja lembrado, é uma artista, com virtudes e pontos fracos em seu trabalho.

A fofoquinha um pouco mais curiosa que surgiu foi a sua leitura à beira da piscina: Sidney Sheldon. Pelo menos ficamos sabendo que, apesar de ser uma cantora interessante, não é lá muito inteligente e tem um gosto literário pra lá de suspeito. Êta mundinho besta!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Entrevista com Mike Davis



Essa entrevista com Mike Davis foi publicada na Com Ciência. Revista de Jornalismo Científico mantida pela SBPC. O link da publicação original está aqui. Reproduzo não só pela importância do tema mas também pela importância do autor, um dos meus preferidos. Se ainda não o conhece, vá atrás!

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Entrevistas
Mike Davis
Em entrevista, o autor do recém-lançado Planeta Favela, diz que a maior parte da população urbana vive hoje em imensos subúrbios sem infra-estrutura e serviços, os quais escapam a qualquer conceituação tradicional
Tradução: Marta Kanashiro
O urbanista, historiador e ativista político Mike Davis tem publicado uma série de trabalhos que se tornaram referências no meio acadêmico, tais como Ecologia do medo, Holocaustos coloniais, e Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. Não apenas sua obra, mas também sua trajetória de vida é marcada por experiências instigantes. Davis já foi caminhoneiro, açougueiro e militante estudantil. Atualmente é professor no Departamento de História da Universidade da Califórnia, em Irvine, e editor da New Left Review. Ele também contribui para a publicação britânica Socialist Review, do partido socialista dos trabalhadores da Grã-Bretanha, e já atuou como ensaísta e jornalista em publicações como The Nation e New Statesman.

Planeta Favela, lançado no Brasil no final de 2006, é mote para a entrevista abaixo, publicada originalmente no blog BLDG. Na obra Davis aborda o processo de favelização e empobrecimento das cidades do terceiro mundo. Alvo de diversas traduções, em especial de trechos que parecem ser os mais tocantes para a questão das cidades no terceiro mundo, a entrevista recebeu, para ser publicada na ComCiência, uma tradução livre da versão em espanhol publicada pelo Instituto Argentino para o Desenvolvimento Econômico.

Os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo

Em poucos anos, pela primeira vez na história da humanidade, a população urbana superará em número a população rural. Entretanto, a maior parte dessas pessoas não vive no que normalmente entendemos por cidades, mas em imensos subúrbios sem infra-estrutura e serviços, os quais escapam a qualquer conceituação tradicional. Mike Davis, um dos pensadores mais recomendados dos últimos anos aborda esta nova realidade em Planet of slums (traduzido no Brasil como Planeta favela), que é um desses livros que podemos chamar de imprescindíveis.


Na sua descrição de uma nova “geografia pós urbana”, o senhor utiliza um vocabulário inovador: corredores regionais, conurbações difusas, redes policêntricas, periurbanização ....
Mike Davis - Trata-se de uma linguagem em pleno processo de desenvolvimento e é nela que apenas reside o consenso. Os debates mais interessantes têm surgido a partir do estudo da urbanização no sul da China, Indonésia e no sudeste da Ásia e giram, principalmente, em torno da natureza da periurbanização na periferia das grandes cidades do terceiro mundo. Com este termo refiro-me ao lugar no qual encontram-se o campo e a cidade e a pergunta que se coloca é: estamos diante de uma fase temporária de um processo complexo e dinâmico ou esta natureza híbrida será mantida ao longo do tempo?

A nova realidade periurbana apresenta uma mistura muito complexa de subúrbios pobres, deslocados do centro das cidades e, no meio deles, pequenos enclaves de classe média, freqüentemente de construção recente e com muros. Nessa periurbanização encontramos também trabalhadores rurais atraídos pela manufatura de baixa remuneração e moradores dos centros urbanos que se deslocam diariamente para trabalhar na indústria agrícola. Curiosamente, este fenômeno despertou também o interesse de analistas militares do Pentágono, que consideram essas periferias labirínticas um dos grandes desafios com o qual irá se deparar o futuro com tecnologias bélicas e projetos imperialistas. Após uma época em que se centraram no estudo dos métodos de gestão empresarial moderna – o just-in-time e o modelo Wal Mart – esses militares parecem estar agora obcecados com a arquitetura e o planejamento urbano. Os Estados Unidos desenvolveram uma grande capacidade para destruir os sistemas urbanos clássicos, mas não tiveram nenhum êxito nas "Sader Cities" do mundo. O caso de Faluya é sintomático: depois que a destroçaram com tanques de guerra e bombas cluster, os mesmos insurgentes com os quais se quis acabar a reocuparam quando acabou a ofensiva. Acredito que tanto a esquerda quanto a direita concordam que os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo.

Qual é a representação cultural mais adequada para os subúrbios do terceiro mundo que o senhor descreve em Planeta favela?
Davis - Se Blade Runner foi um dia o ícone do futuro urbano, o Blade runner dos subúrbios é Black hawk down 1. Reconheço que não posso deixar de vê-lo: sua entrada em cena e sua coreografia são incríveis. O filme representa com perfeição esta nova fronteira da civilização: a "missão do homem branco" nos subúrbios do terceiro mundo e seus exércitos ameaçadores com aspecto de videogame, enfrentando-se com heróicos tecnoguerreiros e com os cavaleiros da Força Delta. É claro que, do ponto de vista moral, é um filme aterrador: é como um videogame no qual é impossível contar todos os somalis que morrem.

Além disso, a realidade é que os brancos não são maioria entre os cavaleiros deslocados para o estrangeiro: são americanos, sim, mas quase todos eles são também procedentes dos subúrbios. O novo imperialismo, como o velho, tem essa vantagem: a metrópole é tão violenta e aloja tanta pobreza concentrada que produz excelentes guerreiros para este tipo de campanha militar. Um professor que tive escreveu um livro magnífico que mostrava, contra todo prognóstico, que nas vitórias nas campanhas militares do Império Britânico o fator decisivo não era a tecnologia armamentista, mas a habilidade dos soldados britânicos no corpo-a-corpo com a baioneta, uma habilidade que era conseqüência direta da brutalidade da vida cotidiana nos bairros baixos ingleses.

Para além do giro em torno da violência e da insurgência, está surgindo algum sistema de auto-governo nos subúrbios?
Mike Davis - A organização nos subúrbios é extraordinariamente diversa. Em uma mesma cidade latino-americana, por exemplo, existem desde igrejas pentecostais, até Sendero Luminoso, passando por organizações reformistas e ONGs neoliberais. A popularidade de uns e outros coletivos varia muito rapidamente e é muito difícil encontrar uma tendência geral. O que está claro é que na última década os pobres – e refiro-me não apenas aos dos bairros urbanos clássicos que já mostravam níveis altos de organização, mas também aos novos pobres das periferias – têm se organizado em grande escala, seja em uma cidade iraquiana como Sader City ou em Buenos Aires. Os movimentos sociais organizados colocaram sobre a mesa reivindicações de participação política e econômica sem precedentes, que impulsionaram um avanço na democracia formal. Sem dúvida, em geral os votos têm pouca relevância: os sistemas fiscais do terceiro mundo são, com raras exceções, tão regressivos e corruptos, e dispõem de tão poucos recursos, que é quase impossível colocar em marcha uma redistribuição real. Ademais, inclusive naquelas cidades em que existe maior grau de participação nas eleições, o poder real é transferido para agências executivas, autoridades industriais e entidades de desenvolvimento de todo tipo, sobre as quais os cidadãos não têm nenhum controle, e que tendem a ser meros veículos locais dos investimentos do Banco Mundial. A via democrática em direção ao controle das cidades – e, sobretudo, dos recursos necessários para realizar as reformas urbanas – segue sendo incrivelmente difícil.

Em quase todos os programas governamentais ou estatais que procuram abordar a pobreza urbana, o subúrbio pobre é compreendido como um simples subproduto da superpopulação. Não tenho nenhuma confiança no conceito de superpopulação. A questão fundamental não é se a população tem aumentado muito, mas como fechar a equação de ter, por um lado, a justiça social e o direito a um nível de vida decente e, por outro lado, a sustentabilidade ambiental. Não há pessoas demais no mundo, o que existe é, obviamente, um consumo excessivo de recursos não renováveis. Claro que a solução deve passar pela própria cidade: as cidades verdadeiramente urbanas são os sistemas mais eficientes, ambientalmente falando, que criamos para a vida em comum. Oferecem altos níveis de vida por meio do espaço e do luxo públicos, ou permitem satisfazer necessidades que o modelo de consumo privado suburbano não pode permitir-se. O problema básico da urbanização mundial atual é que não tem nada a ver com o urbanismo clássico. O autêntico desafio é conseguir que a cidade seja melhor como cidade. Planeta favela dá razão aos sociólogos que assinalaram nos anos 50 e 60 os problemas da suburbanização norte-americana: ocupação caótica do território, incremento dos tempos de deslocamento do domicílio ao trabalho e dos recursos associados a esse deslocamento, deterioração da qualidade do ar e falta de equipamentos urbanos clássicos.

Mas não existem cidades excessivamente povoadas para um entorno escasso em recursos, no qual estão implantadas?
Davis - A inviabilidade de uma megacidade tem menos a ver com o número de pessoas que vivem nela do que com seu modo de consumir: se são reutilizados e reciclados os recursos e se compartilha o espaço público, então é viável. Tem que se levar em conta que a pegada ecológica varia muitíssimo segundo os grupos sociais. Na Califórnia, por exemplo, a ala direita dos movimentos conservacionistas sustenta que há uma enorme onda de imigrantes mexicanos que é responsável pelos congestionamentos e pela poluição, o que é completamente absurdo: não existe população com menor pegada ecológica ou que tenda a utilizar o espaço público de forma mais intensa que os imigrantes da América Latina. O verdadeiro problema são os brancos que passeiam em seus carrinhos de golfe pelos cento e dez campos que existem em Coachella Valley. Em outras palavras, um homem da minha idade, ocioso, pode estar usando dez, vinte ou trinta vezes mais recursos que uma chicana que tenta seguir adiante com sua família num apartamento do centro da cidade.

Não se pode deixar levar pelo pânico do crescimento da população ou da chegada dos imigrantes; o que se deve fazer é pensar como se podem fomentar as atitudes do urbanismo para conseguir, por exemplo, que subúrbios como os de Los Angeles funcionem como uma cidade no sentido clássico. Também se deve respeitar a necessidade absoluta de conservar as zonas verdes e as reservas ambientais sem as quais as cidades não podem funcionar. A tendência atual em todo o mundo é que os pobres busquem acomodação em zonas úmidas (de mananciais) de importância vital, que se instalem em espaços abertos cruciais para o metabolismo da cidade. Aí está o exemplo de Bombaim, onde os mais pobres assentaram-se em um Parque Nacional adjacente e que, de vez em quando, são comidos pelos leopardos, ou de São Paulo, onde se empregam enormes quantidades de substâncias químicas para purificar a água para se livrar de uma batalha perdida contra a poluição na cabeceira de suas fontes de abastecimento. Se se permite esse tipo de crescimento, se são perdidas zonas verdes e os espaços abertos, os aquíferos são bombeados até esgotá-los e se são contaminados os rios, danifica-se fatalmente a ecologia da cidade.


Leia também a resenha do livro Planeta favela, escrita por Ermínia Maricato, autora do posfácio da obra e que afirma que este texto de Davis é importante para iluminar os problemas urbanos e grande parte de suas causas.

1 Black hawk down (Falcão negro em perigo) é um filme dirigido por Ridley Scott em 2001, que retrata uma força de elite americana enviada para capturar militares locais durante a guerra civil da Somália (1993).

domingo, 2 de janeiro de 2011

Baudelaire


Uma pitada de Baudelaire, para animar o domingo.

Portrait de la Canaille littéraire.
Doctor Estaminetus Crapulosus Pedantissimus. Son portrait fait à la manière de Praxitèle.
Sa pipe,
Ses opinions,
Son hégélianisme,
Sa crasse,
Ses idées en art,
Son fiel,
Sa jalousie.
Un joli tableau de la jeunesse moderne.

***

Tous les imbéciles de la Bourgeoisie qui prononcent sans cesse les mots : immoral, immoralité, moralité dans l'art et autres bêtises me font penser à Louise Villedieu, putain à cinq francs, qui m'accompagnant une fois au louvre, où elle n'était jamais allée, se mit à rougir, à se couvrir le visage, et me tirant à chaque instant par la manche, me demandait devant les statues et les tableaux immortels comment on pouvait étaler publiquement de pareilles indécences. Les feuilles de vigne du sieur Nieuwerkerke.

***

A alfinetada que trocadas algumas expressões poderia ter sido escrita ontem à tarde, está em Mon coeur mis à nu: journal intime, (1887)., que pode ser lido gratuitamente em francês aqui. Se preferires em português, há uma bela tradução de Tomaz Tadeu da Silva, pela Autêntica, com o título "Meu coração desnudado".

sábado, 1 de janeiro de 2011

Preconceito e religião

Religião. A discussão é tensa e tem ganhado desdobramentos curiosos. Para alguns, há ingredientes que vão da fé ao apelo moral. Para outros, ainda que ateus e agnósticos, religião é algo que tem apelo pessoal e não deve ser discutido. Fato é que declarar-se ateu ainda é algo que gera muita incompreensão e preconceitos. Abaixo, coloco algumas imagens da campanha lançada pela Atea, associação criada para defender e representar aqueles que não crêem. A tarefa é difícil e necessária. basta olharmos para as conseqüências perversas da religião em áreas que vão muito além da profissão de fé individual, como a ciência e a política.