sábado, 30 de abril de 2011

Mark Twain


Não são as partes da bíblia que eu não compreendo que me incomodam, mas sim as que eu compreendo. – Mark Twain

quinta-feira, 14 de abril de 2011

História abreviada da literatura portátil


Acabei de ler o impagável “História abreviada da literatura portátil”, do espanhol Enrique Vila-Matas. Autor de quase uma dezena de livros já publicados em português, Vila-Matas virou uma espécie de xodó dos escritores e ou pseudo-escritores, assim como dos “iniciados” na arte e na literatura, em especial o modernismo.
Em sua prosa, elegante e imaginativa, se misturam as situações ficcionais que ele criativamente apresenta a elementos das obras e dos autores aos quais ele presta reverência em suas tramas.
Basta fazer uma busca rápida na web para ver o clichê “escritor de escritores” repetido até o saco estourar. E não se trata aqui de negar o óbvio: ele faz um tipo de literatura que se equilibra sobre a linha tênue que separa o ensaísmo da ficção, se é que existe esta tal linha tênue. Dialoga com a imaginação literária ocidental de maneira astuciosa, o que obras como “Bartleby e companhia”, sem contar a “História abreviada da literatura portátil”, comprovam.
Para dar uma idéia do que se trata esse livro, resumiria dizendo que ele parte de uma hipótese ficcional, a criação de uma sociedade secreta de autores “portáteis”, narrada de modo a revelar os seus credos, tais como o nomadismo, celibato, sexualidade extrema e a concisão – só poderiam criar obras portáteis. Fazem parte desse movimento nomes tão diversos como Walter Benjamin, Marcel Duchamp, Céline. F. Scott Fitzgerald e o mago Aleister Crowley. Eram, ao todo 27 porque 27 é o número da conspiração. a partir desse quadro, em que autores são feitos personagens, se estruturam as referências e as situação, ficcionais ou não, que ajudam a compreender as suas vidas e um pouco da história do modernismo europeu no entreguerras.
Se toda a referência ao jogo metaliterário que caracteriza seu trabalho é justa, além de muito repetida, é preciso que se destaque outro elemento importante: é acima de tudo de literatura que falamos, e de boa literatura. Vila-Matas se esquiva do modelo preconizado por Ernest Hemingway, cujos personagens muito agem e pouco pensam, e retoma uma linha que se estende desde o início do romance moderno, desde “A vida e as opiniões do cavalheiro Tristan Shandy”, de Lawrence Sterne, por exemplo. Os personagens e Vila-Matas pensam, são irônicos e praticam com destreza as referências e as brincadeiras com idéias que são uma lufada de ar fresco em meio ao monte de porcarias que são publicadas, quase que todos os dias, aqui e alhures. E por porcarias leia-se: essa penca de “jovens escritores” que repetem fórmulas gastas apresentando personagens sem vida interior.
Sobre a obra do espanhol eu diria mais: Vila-Matas é engraçadíssimo. Ri muito em algumas partes desta história abreviada. Ironias e as chamadas “piadas internas” são abundantes em sua obra. Vou dar um exemplo desse recurso na obra. O autor “cria” os odradeks, espíritos que acompanham e atormentam os artistas em momentos de solidão. Abaixo, Vila-Matas descreve o odradek de Salvador Dalí, em uma passagem maliciosa e cheia de referências às obras e aos delírios do espanhol:
“O odradek de Salvador Dalí tinha um marcante ar festivo e musical e, além do mais, era extremamente erótico. Nada menos do que um violino masturbador chinês ou instrumento melódico provido de um apêndice vibratório, que servia para ser introduzido, de forma repentina e brusca, no ânus, mas também, e de preferência, na vagina. Depois de introduzi-lo, um hábil músico fazia deslizar o arco sobre as cordas do violino, não tocando a primeira coisa que lhe passasse na cabeça, mas sim uma partitura escrita especialmente para fins masturbatórios; o músico conseguia, mediante a sábia dosagem de notas em frenesi, intercalando-as com momentos de calma, que as vibrações amplificadas provocassem o orgasmo da beneficiária do instrumento no preciso e sincronizado momento em que a partitura atacasse as notas do êxtase” (p. 70-1).

Se a função da crítica é ser parcial e emitir juízos de valor, siga esse: acredito que devas ler o Vila-Matas.