sexta-feira, 24 de junho de 2011

Shakespeare Furtado


Confesso que não curto muito o cinema de Jorge Furtado. E nem falo dos curtas mais antológicos, como "O dia em que Dorival encarou a guarda" ou "A Ilha das Flores, verdadeiro xodó dos professores de sociologia. Ambos são bem interessantes, inauguram a sua linguagem cinematográfica e blá blá blá. Falo dos longas. Assisti "O homem que copiava e não achei nada demais". Ainda assim, há uma pequena referência aos Sonetos de Shakespeare que de certa forma amarra a relação amorosa dos protagonistas.
O cineasta é um grande apreciador da obra do bardo. Juntando peças, dei de cara com um comentário muito interessante em um blog sobre as traduções orientadas por ele dos Sonetos e fui ver o livro. Gostei, confesso. Já havia visto uma tradução dele para "Alice", também bastante boa. Seu bom gosto literário me leva a assistir os seus filmes. Vou encarar e depois comento aqui. Em homenagem, reproduzo abaixo três versões para o mesmo soneto, duas do Furtado e uma de outro tradutor. Gosto muito das duas do Furtado. Ah, vale dizer que a comparação não é uma idéia minha, é coisa do blogueiro onde li pela primeira vez a resenha da tradução. Simplesmente reproduzo para os milhões de leitores deste blog.
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Farto de tudo, clamo a paz da morte
Ao ver quem de valor penar em vida
E os mais inúteis com riqueza e sorte
E a fé mais pura triste ao ser traída
E altas honras a quem vale nada
E a virtude virginal prostituída
E a plena perfeição caluniada
E a força, vacilante, enfraquecida
E o déspota calar a voz da arte
E o néscio, feito um sébio, decidindo
E o todo, simples, tido como parte
E o bom a mau patrão servindo
Farto de tudo, penso, parto sem dor
Mas se partir, deixo só o meu amor
(Soneto nº 66 por Jorge Furtado, p.82)

De saco cheio, mando tudo às picas
Ao ver só gente boa se ferrando
E as mais escrotas rindo à toa, ricas
E as crentes, puras, só no cú levando
E prêmios dados a um monte de bostas
E virgens puras pagando boquetes
E a perfeição xingada pelas costas
E os fortões entubando croquetes
E a cultura virar supositório
E a chusma de imbecis cagando regras
O bom e simples tido por simplório
O mal triunfa e o bem toma nas pregas
De saco cheio, vão todos se fuder!
Só o que eu não posso é meu amor perder
(Soneto nº 66 por Jorge Furtado, p.83)

Farto de tudo, imploro a morte sossegada
Quando vejo o valor vestido como um pobre
E com luxo trajado o miserável nada,
E perjurada, por desgraça, a fé mais nobre,
E vergonhosamente a honra mal situada,
E a virginal virtude em lama prostituída,
E por coxo exercício a força invalidada,
E a justa perfeição do apreço decaída,
E julgando a perícia a doutoral tolice,
E atando a língua da arte o arbítrio oficial,
E a mais simples verdade achada parvoíce,
E o bem seguindo preso o comandante mal:
Farto, eu queria estar já morto e descansado,
Se não deixasse o meu amor abandonado.
(Soneto nº 66 por Péricles Eugênio)
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Fiz essa postagem no dia 24/06 e aproveito para emendá-la. Meu amigo Nathaniel oportunamente me lembra que não coloquei o original no corpo da mensagem e enviou o mesmo em seu comentário. Puxo o poema do bardo para o corpo da mensagem e agradeço a lembrança. (27/06)

SONNET 66

Tired with all these, for restful death I cry,
As, to behold desert a beggar born,
And needy nothing trimm'd in jollity,
And purest faith unhappily forsworn,
And guilded honour shamefully misplaced,
And maiden virtue rudely strumpeted,
And right perfection wrongfully disgraced,
And strength by limping sway disabled,
And art made tongue-tied by authority,
And folly doctor-like controlling skill,
And simple truth miscall'd simplicity,
And captive good attending captain ill:
Tired with all these, from these would I be gone,
Save that, to die, I leave my love alone."

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Um papo sobre ciência e religião

Há algum tempo postei uma entrevista do Michel Onfray sobre o seu "Tratado de Ateologia" aqui no blog. Como tenho feito, coloquei um link no meu perfil do Facebook para o Blog. Por algum motivo estranho, ao invés do debate ficar registrado aqui no Blog, dois dos meus amigos preferiram fazer um bate bola sobre o assunto no Facebook.
Como gostei muito do resultado da prosa deles, resolvi colar aqui. São duas pessoas muito inteligentes, com formações e pontos de vista que convergem em alguns pontos e divergem em outros, sempre de maneira direta e elegante. Aos curiosos seguem as intervenções. Fiquem à vontade para fazer as suas.
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NF - Eagleton, o principal autor do "cultural studies" (do qual gosto muito), fez do neo-ateísmo seu tema no Fronteiras do Pensamento 2010 (http://www.unimedpoa.com.br/mkt/resumo_fronteiras_090810.pdf)Me considero ateu convicto, mas acho que há necessidade de relativizar o ateismo como discurso (pois alguns, como Dawnkins, autor que também gosto muito, tem a limitação de achar que é o portador de uma verdade inabalável).

ES - Acho que autores como o Dawkins, o Sam Harris (excelente) e o Hitchens são muito importantes pela força com que entraram na discussão. Confesso que gosto menos do Eagleton, que é neo-cristão e vê no ateísmoum ataque do imperialismo sobre o mundo. Concordo que o visão de ciência do Dawkins é bastante dura, mas ele se sai muito bem nesse debate.

TSR - O Richard Dawkins é dogmático demais, determinista demais. Radiicalismo gera radicalismo. Neste sentido, o livro "Deus, um delírio" me pareceu meio fanático. Eu compreendo todo atraso que a "religião" causou, mas não se pode pagar com a mesma moeda "cientificamente".

NF - É algo complexo, Taís, pois eu sou baita fã de Dawkins e vivo citando várias idéias suas. Para mim, a religião realmente é um vírus mental que deve ser eliminado, e o discurso científico, ainda que seja falho, levanta-se no campo agonístico... dos discursos como o mais propenso a substituí-lo. Os argumentos do neo-evolucionismo muito me agradam e o livro "Deus- Um Delírio" me possibilitou dar palavras para muitas coisas que eu pensava e não conseguia explicar. Acredito no respeito as diferenças e a intolerância de Dawkins me parece parece um pouco ditatorial, fora que ele deposita suas fichas no discurso científico como A Verdade Inabalável. Ainda assim, acho, como nosso caro professor, que a figura dele e de outros intelectuais ateus na mídia e de fundamental importância para dizer que a religião não é especialista em nada, é intolerante e cega, mete-se em assuntos dois quais mal compreende (como o aborto, células-tronco, legitimação dos movimentos homossexuais) e leva milhões a sandices que só servem para continuar propagando limitações e preconceitos. Ainda que eu ache que o discurso cientificista pregado pelos os ateus (e eu me incluo de certa forma nesse grupo) exagerado, necessitando ser relativizado quando suas pretenções totalizantes, numa discussão em que eu tenha que tomar uma posição, eu fico com os ateus, pois pelo menos com estes há discussão! O discurso científico, com suas limitações, baseia-se em argumentos e aceita o embate, coisa que na religião não existe, por tanto, eu não acho Dawkins "dogmático". Um Racionalista Totalitário, talvez? =D

TSR - Eu entendo, Nathanael o teu ponto de vista, mas já "acreditei" mais na ciência, atualmente tenho mais certeza de que ela é muito limitada em dar explicações sobre o que há entre o céu e a terra, mas não sou religiosa e sou contra o reducion...ismo científico. A nossa incapacidade de medir(estatisticamente) os efeitos, fenômenos, testar hipóteses nos coloca (nós, pretensos cientistas) em xeque todos os dias. Como medir o imensurável como a dor, o sentimento, a felicidade, a democracia, a liberdade. Enquanto isso eu me distraio acreditando que um dia resolveremos esssa charada, mas acho que a religião não é única vilã. Ah tenho minhas dúvidas sobre a capacidade de discussão dos ateus... tu iamginas, por exemplo alguém debatendo de igaul para igual com alguém que almenos respeita a religiosidade, o esse cara não seria ridicularizado no meio ateu, assim como o ateu seria banido do meio religioso. A ciência pressupoe neutralidade MESMO, senão teus resultados serão cheios de vieses, os números tratam diferetes como iguais e seguimos o debate.

ES - Caros Taís e Nathaniel devo confessar que o debate que vamos travando por aqui subverte a lógica fútil do Facebook. O mais interessante é o seguinte dado: a Taís é uma cientista praticante, doutoranda em medicina que se mostra mais reticent...e ao discurso cientificista autoconfiante de Dawkins e Cia do que o Nathaniel e eu, que somos historiadores, o que não deixa de ter lá a sua razão, porque lida com o lado trágico da existência de maneira real e intensa. Digo isso de maneira muito sincera, talvez o nosso ceticismo se manifeste mais facilmente por a nossa posição ser mais confortável. O importante dessa discussão é que acredito ser possível discutir temas de fundo, como a ética, a vida, a morte, deixando de lado muitas das convenções às quais o Nathaniel faz referência. Acredito sinceramente que o pensamento religioso é um dos maiores problemas com os quais podemos nos debater hoje, tanto que meu projeto de pesquisa atual é “Ciência e religião”.