domingo, 5 de setembro de 2010

Uns copos...


Há algum tempo, recebi um convite gentil de um amigo para degustar algumas cervejas artesanais em um bar de primeira: o Bier Markt. O ambiente é excelente e a carta de cervejas é sensacional. Uma boa cerveja artesanal é algo que não tem nenhum paralelo com as cervejas que fazem parte da cultura cervejeira nacional (via-de-regra a mais barata o mais gelada possível).

São cervejas bem elaboradas, com sabores complexos e muitas delas bem encorpadas (degustávamos cervejas cujo teor alcoólico andava pela casa dos 8%). São um pouco mais caras que aquelas que encontramos em todos os armazéns da redondeza, mas a diferença de preço e de características sugere que se beba com um pouco mais de moderação. O velho papo qualidade vs quantidade.

A única nota negativa, por assim dizer, que eu gostaria de fazer menção refere-se aos comensais. Assim como no “boom” do vinho no Brasil nos anos 90, o crescimento das discussões sobre cervejas artesanais traz consigo uma revoada de chatos. Detesto aquele clima iniciático, onde os cultores da nova seita dividem o mundo entre eles próprios, os iluminados, e o resto.

Quando o vinho e a cultura do seu consumo “cabeça” começou a se tornar uma febre, era comum vermos “connaisseurs” girando a sua taça em círculos, não raro servida de vinhos de qualidade suspeita, e descrevendo-os com metáforas de gosto duvidoso e poesia barata. Agora, com o papo da cultura cervejeira, há um candidato a burgomestre em cada esquina, cheio de si e com uma imensa ladainha prontinha, na ponta da língua.

Há em Porto Alegre diversos bares para se tomar uma boa cerveja e jogar uma conversa fora, tais como o Bier Markt, o Água de Beber e tantos outros. Eu gosto mesmo é de tomar uma cervejinha no conforto do lar. Se gostas da socialização, opções não faltam. Mas cuidado, os chatos estarão sempre à tua espreita...

domingo, 29 de agosto de 2010

Geração Beat


Claudio Willer, além de grande poeta e tradutor é um crítico sensível, em especial de poesia. Em “Geração Beat”, título recém lançado pela L&PM na simpática coleção Encyclopaedia , faz as vezes de historiador da literatura com grande êxito.

O livro, simples sem ser simplório, fornece um ótimo painel da “Geração Beat”, dando maior atenção aos seus autores centrais: Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs. Willer é, ao lado de Eduardo Bueno e alguns outros, responsável pela tradução e divulgação desses autores entre nós, e ao narrar as linhas mestras desse “movimento” dá a ver toda a sua intimidade com a obra dessa geração de poetas, narradores e contestadores sociais cuja influência na moderna prosa americana é indiscutível.


Devo confessar que após ler o livro de Willer entreguei-me a uma revisão das obras Beats que eu já havia lido e gostaria de passar os olhos novamente, assim como outras tantas que cabem sob essa definição guarda-chuva. Reli algumas coisas do Ginsberg, de todos o autor que eu conhecia melhor, li outras tantas do Kerouac que eu havia deixado passar, além do velho Burroughs. Aproveitei para reler algumas coisas do não-Beat mais Beat de todos: Bukovski. E como a obsessão é o meu lema, dediquei várias horas a autores influenciados pela primeira leva de Beats, como o grande Hunter Thompson. Mas esse merecerá uma postagem dedicada somente a ele.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Por amor às...


Vivo em meio aos livros. Misturam-se, na minha relação com a página escrita, o prazer de leitor, as tarefas de professor e, eventualmente, o gesto de criá-los. Mas sou obrigado a dizer que poucas coisas são mais prazerosas do que a escolha, a compra e a leitura de um livro há muito desejado.

É curioso ver as diferentes maneiras pelas quais se manifesta o desejo pelos livros. Às vezes se trata de um livro raro, há muito tempo desejado justamente pela sua raridade, que transforma a sua busca em um jogo. Uma obsessão alimentada por várias visitas a sebos, por diversas navegações pelas páginas da Estante Virtual e que só se completa com a obra em minhas mãos.

Outras vezes, ao saber de um livro cuja existência eu desconhecia, sinto-me lesado. Penso sobre como havia vivido tantos anos sem saber da existência daquela obra, que no exato momento em que se abriu frente aos meus olhos revelou um universo extraordinário e ainda desconhecido. Ao ler pela primeira vez Céline ou Isaac Bábel, senti um misto de alegria pela descoberta e tristeza pelos anos que passei sem conhecê-los.

Por tudo isso, ao comprar um livro que não seja um mero objeto de trabalho mas sim um objeto de desejo, por mais que muitas vezes essas coisas estejam imbricadas, gosto de realizar alguns rituais. Ler as orelhas, a quarta capa, folheá-lo despreocupadamente, cheirá-lo.

Ao colocar as mãos no Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, tive uma misto de todas aquelas sensações e pude cumprir toda a minha ritualística. Que espera e que obra! Li sobre ele, pela primeira vez, nos anos 90, em uma entrevista concedida pelo Chico Buarque a revista Caros Amigos, o mesmo Chico que faz a apresentação da obra.

Fruto da dedicação do professor Ferreira, como gostava de ser chamado, o dicionário foi publicado pela primeira vez na década de 1950. Não se trata de um dicionário de significados de palavras, mas um dicionário de expressões análogas, pensado para auxiliar na escrita. Ele oferece o que é chamado, na apresentação da nova edição, de uma nuvem de palavras.

A obra é pensada para quem se delicia com a carpintaria da criação literária, com a busca da expressão mais exata para cada situação. Esta obra, que foi legada por Sergio Buarque de Holanda a seu filho, que dela se serviu para compor e escrever seus romances, volta às livrarias e torna-se acessível a todos nós.

A referência:

Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Dicionário analógico da língua portuguesa. 2 ed. atualizada e revista. São Paulo: Lexikon, 2010.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Paisagem Moderna

Daniela Kern, professora do curso de História da Arte e do PPG em Artes Visuais da UFRGS acaba de publicar um belo livro: Paisagem moderna: Baudelaire e Ruskin. O livro é uma seleção de ensaios desses que foram dois dos maiores críticos de arte do século XIX, traduzidos e comentados por Daniela Kern. Saiu pela Editora Sulina, de Porto Alegre e tem o apoio da Capes e do PPG/AVI da UFRGS. Abaixo, o release da editora:
_________________________________

A Editora Sulina apresenta



PAISAGEM MODERNA, de Charles Baudelaire e John Ruskin
Introdução, tradução e notas
Daniela Kern

O trabalho de Daniela Kern, ao nos dar acesso aos textos de Baudelaire e Ruskin, é uma importante contribuição aos estudos de História da Arte e da Cultura ocidental no século XIX, século que constitui e aprofunda as bases da cultura do século XX, os tempos modernos.

Ao traduzir e comentar dois dos mais significativos autores de crítica de arte do período, temos pela primeira vez em língua portuguesa uma coletânea de extratos dos textos dos autores sobre pintura de paisagem e sobre a nova paisagem urbana em formação na Paris e na Londres do século XIX.

O livro Paisagem Moderna: Baudelaire e Ruskin reúne textos sobre pintura de paisagem e paisagem urbana de dois dos maiores críticos de arte do século XIX, John Ruskin (1819-1900) e Charles Baudelaire (1821-1867), perfeitos contemporâneos. Ainda que nunca tenham mencionado um ao outro em seus escritos, há vários pontos que os unem: a admiração por grandes coloristas (Turner no caso de Ruskin e Delacroix no de Baudelaire), o fato de conceituarem o sublime, a preocupação com o avanço da indústria, o posicionamento crítico com relação à fotografia e o temor diante da destruição do patrimônio arquitetônico medieval levada a cabo pela “haussmanização” das cidades europeias. Os textos que compõem Paisagem Moderna: Baudelaire e Ruskin possibilitam, em suma, uma visão privilegiada das principais análises dos dois grandes críticos acerca daquele que ambos consideravam o gênero artístico mais radicalmente moderno: a paisagem.

Daniela Kern é professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais e do Departamento de Artes Visuais da UFRGS. É doutora em Letras pela PUCRS e autora de diversos artigos acadêmicos sobre temas das áreas de artes visuais e literatura. É tradutora dos livros A distinção: a crítica social do julgamento, de Pierre Bourdieu, e O mercado da arte, de Raymonde Moulin.


Capa: Danni Calixto (sobre desenho de John Ruskin)
Nº de páginas: 246
ISBN: 978-85-205-0565-6
Preço de Capa: R$ 30,00
Departamento editorial e divulgação: (51) 3019. 2102
Editora Meridional/Sulina
www.editorasulina.com.br
Tel (51) 3311-4082
Fax (51) 3264-4194

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Euterpe

Por meio do interessante blog do Marcelo Coelho descobri Euterpe, blog dedicado à música erudita. Tudo o que vi gostei demais! Passei por aqui só para deixar o link. Comentários meus, em breve.

http://euterpe.blog.br/

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Prendam o piromaníaco do Maranhão!


Não gosto muito de participar de debates identificados com o "campo da história", mas a discussão proposta pela Prof. Silvia Hunold Lara transcende essas preocupações e toca em um debate sempre em aberto no Brasil: o lugar da memória histórica do "andar de baixo". Sarney, não satisfeito em nos ferrar com esse acordo lingüístico estúpido, assina a lei atroz que a professora Silvia analisa abaixo. Extraí o texto do informe da Anpuh e, obviamente, recomendo a leitura:
___________________________________

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: AVISO AOS REFORMADORES

por Silvia Hunold Lara (Depto. História - UNICAMP)

No início de junho desse ano, o Anteprojeto de Código de Processo Civil, elaborado por uma Comissão de Juristas que se reúne desde 2009, foi apresentado ao Senado. Na semana passada, uma comissão foi criada para examinar as 261 páginas do documento, com vários assuntos polêmicos. Certamente, deve haver muita discussão. Mas há algo que precisa ser esclarecido desde já: a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto e o senador José Sarney, que o encaminhou ao Senado, cometem um duplo atentado à cidadania, ao autorizarem a destruição completa da memória do judiciário brasileiro e ignorarem demandas sociais reivindicadas há décadas.

Sim, é disso que se trata. O artigo 967 do atual anteprojeto repete as mesmas palavras do antigo artigo 1.215 do Código, promulgado em 1973, que autorizava a eliminação completa dos autos findos e arquivados há mais de cinco anos, "por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado". Em total desrespeito ao direito cidadão de preservação da história e às regras arquivísticas mais elementares, a determinação reforça a moda burocrática de limpar o passado. Certamente, os processos findos há cinqüenta, cem anos não servem mais para as partes envolvidas - mas servem, e muito, para se conhecer a história do judiciário, dos movimentos e das relações sociais no Brasil... A determinação decreta a amnésia social e espezinha o direito que todos temos à memória e à história.

A medida tem antecedentes históricos. Em 1890, Rui Barbosa mandou queimar os documentos referentes aos escravos existentes na Tesouraria da Fazenda, na tentativa de eliminar a "nódoa da escravidão" e impedir que ex-senhores insatisfeitos com a Abolição tivessem provas para abrir processos de indenização. A medida era meramente prática, mas rende muitos transtornos para quem quer conhecer os números da demografia escrava no final do século XIX. Seu ato, mesmo aparentemente justificável para um ministro da Fazenda preocupado em proteger o Tesouro nacional, rende-lhe até hoje a pecha de ter mandado queimar todos os arquivos da escravidão. Há algum tempo, os historiadores conseguiram contornar parcialmente o ato lesivo de Rui Barbosa graças ao acesso a outros documentos - em especial os guardados pelo judiciário brasileiro. Há muitos exemplos: as ações cíveis do século XIX incluíam freqüentemente entre suas provas os registros de propriedade sobre os escravos, com dados importantes como idade, condição matrimonial, ofício, etc; os litígios sobre inventários traziam documentos que permitem aos historiadores conhecer a vida cotidiana das fazendas e engenhos daquele período; diversos autos cíveis trataram de negociações sobre a alforria de cativos e libertos, revelando aspectos importantes da história da liberdade em nosso país. O uso dessa documentação, nas últimas décadas, permitiu redimensionar a história da escravidão e tem sido utilizada cada vez mais para conhecer a história dos trabalhadores livres e da vida cotidiana no Brasil dos séculos XIX e XX. Valor documental similar têm os processos criminais e os da Justiça do Trabalho - fontes preciosas que voltam a ser ameaçadas.

Sim, voltam a ser ameaçadas. Promulgado o Código de Processo Civil em 1973, a comunidade nacional e internacional de historiadores, juristas e arquivistas, depois de muita gritaria e vários artigos em jornais e revistas especializadas, conseguiu, em plena ditadura, suspender a vigência do tal artigo 1.215 (lei 6.246, de 7/10/1975). O que terá levado a Comissão de juristas a ignorar toda essa movimentação e a lei 6.246? Talvez sejam adeptos da mencionada moda de limpeza burocrática, talvez concordem com os argumentos aparentemente singelos (mas facilmente contestáveis) da necessidade de economia com a redução de custos de armazenamento de papéis velhos, ou confortem-se com cláusula que prosaicamente manda recolher aos arquivos públicos os "documentos de valor histórico" existentes nos autos a serem eliminados. Talvez ainda se sintam à vontade para tal ato de soberania, diante das dificuldades muitas vezes enfrentadas por historiadores e magistrados para suspender autorização análoga existente no âmbito da Justiça do Trabalho. Apesar das vitórias conseguidas com a criação de memoriais e centros de documentação em vários Estados e de numerosas resoluções aprovadas consensualmente em encontros nacionais sobre a preservação da memória da Justiça do Trabalho, com participação expressiva de pesquisadores, arquivistas e, principalmente, dos magistrados, milhares de autos trabalhistas findos há mais de cinco anos têm sido destruídos, sob a proteção da Lei 7.627, de novembro de 1987.

Rui Barbosa pelo menos lidava com questões mais concretas. No caso do atual projeto de lei, nada justifica tal barbaridade.

Restaurar a autorização para eliminar os processos cíveis findos, além de atentar contra o direito constitucional de acesso à informação (nele incluída a informação histórica, tenha ela 200, 100, 20 ou 10 anos), é também ignorar que o atual Código de Processo Civil foi modificado em função de reivindicações de entidades culturais e daqueles que são profissionalmente responsáveis pela preservação da memória e da história do Brasil. O Senado tem agora o dever de corrigir esse duplo atentado à cidadania - ou será cúmplice desse crime? Por que não aproveitar a ocasião para mudar, inscrevendo em lei a necessidade de proteger de fato o patrimônio público nacional, do qual fazem parte os processos judiciais (cíveis, criminais e trabalhistas)? Isso, sim, seria um bom modo de entrar para a história! Com a palavra os Senadores.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Francis Wheen


Aproveitei o recesso nas minhas atividades docentes, que chegaram logo após a correria do fechamento do semestre, para tirar uns dias para descansar um pouco e fazer outras coisas. Fiquei vários dias sem responder e-mails e sem escrever no blog. Li algumas coisas sem compromisso e assisti filmes que eu queria assistir há algum tempo.
Mesmo que não se trate de férias, um recesso no meio do ano vai bem. Um amigo me disse certa vez que os 3 melhores motivos para se tornar professor são: julho, janeiro e fevereiro. E não deixa de ter razão. O que cansa mesmo não é dar aula. Ao menos para mim, o que mata são os compromissos que estão no “pacote professor”, quais sejam: corrigir provas e trabalhos e preencher, com um mínimo de asseio, os cadernos de chamada.
Bueno, depois de justificar para a minha consciência (o mais cruel dos algozes) o silêncio com relação ao blog, volto preguiçosamente à ativa falando sobre um dos poucos assuntos que me interessam de fato: livros.
Das últimas leituras, devo registrar aqui “Como a picaretagem conquistou o mundo”, do jornalista britânico Francis Wheen. Além de colunista do The Guardian, o que já não é pouco, ele é lembrado com frequência pela biografia de Karl Marx, traduzida para o português pela mesma Record que publicou em 2007 o livro que ora comento. O mote é tentador: o mundo contemporâneo, segundo Wheen, viveria nas mais diversas áreas (religião, política, economia e humanidades) um regresso ao obscurantismo mais vil.
Ele coloca em paralelo a tomada do poder do Aiatolá Khomeini (representando o obscurantismo religioso vindo do oriente) com a chegada ao poder de Margareth Tatcher, na Inglaterra, representando um mergulho na imbecilização ao sabor ocidental. Bem, o livro é provocativo, tem diversas passagens divertidas, mas o autor é superficial em diversas passagens, faz resenhas de alguns livros no lugar de análises e cria algumas estratégias textuais pega-trouxa. Não acho que seja tempo perdido, muito antes pelo contrário, mas é muito superficial para o meu gosto.
Não vou entrar em maiores detalhes porque não estou com disposição para gastar pólvora com chimango. Como dizem os jogadores de futebol que estão há um tempo sem jogar, estou sem ritmo de jogo.

domingo, 4 de julho de 2010

H. L. Mencken contra o resto



H. L. Mencken (1880-1956) foi um dos jornalistas norte-americanos de prosa mais ágil e incisiva que já tive oportunidade de ler. Não seria nenhum exagero dizer que ele está na lista dos autores cujas ideias mais me divertiram. Gosto da prosa de Mencken em especial pela virulência com que ele ataca a estupidez em suas variadas formas de manifestação: a política norte-americana, o conservadorismo, os criacionistas e o chamado “senso comum”.

O que de melhor dispomos de Mencken em português está coletado na obra “O livro dos insultos”, organizada e traduzida por Ruy Castro, que apesar de fazer um jornalismo muito do sem-sal é apreciador da prosa viperina do “Leão de Baltimore”.



Bueno, em tempos bicudos como os que correm, é sempre bom relembrar a coragem de escritores como Mencken. O exemplo que vou apresentar trata de questões religiosas, mais especificamente, do debate entre criacionistas e evolucionistas nos EUA. Em 1925, ele se posicionou vigorosamente frente a um caso de estupidez exemplar, envolvendo uma acusação a um professor de biologia, John Scopes, processado por ensinar “evolucionismo” em uma escola de Dayton, Tennessee. O caso, que foi parar em um Juri popular, foi assim retratado por Mencken em uma crônica publicada no verão de 1925, uma semana antes do início do julgamento.

“Homo Neanderthalensis, H. L. Mencken

As razões de o homem inferior odiar o conhecimento não são difíceis de discernir. Ele o odeia porque o saber é complexo – porque impõe um fardo insuportável à sua minguada capacidade de absorver idéias. Assim, ele está sempre à procura de atalhos. Todas as superstições são atalhos dessa natureza. Sua meta é tornar simples e até óbvio o ininteligível. E isso prossegue no que parecem ser níveis mais altos. Ninguém que não tenha tido uma instrução prolongada e árdua é capaz de compreender sequer os conceitos mais elementares da patologia moderna. Mas até um lavrador no arado consegue captar em duas lições a teoria da quiroprática. Daí a vasta popularidade da quiroprática entre os desvalidos – assim como da osteopatia, da ciência cristã e de outras charlatanices similares. Elas são idiotas, mas são simples – e todo homem prefere o que pode entender áquilo que o intriga e desanima.

A popularidade do fundamentalismo nas camadas inferiores dos homens explica-se exatamente da mesma maneira. Todas as cosmogonias com que lidam os homens instruídos são exageradamente complexas. Seu mais simples esboço requer um imenso cabedal de conhecimentos e o hábito de pensar. Seria tão fútil tentar ensiná-las aos camponeses ou ao proletariado urbano quanto tentar instruí-los sobre os estreptococos. Mas a cosmogonia do Gênesis é tão simples que até um campônio é capaz de aprendê-la. É exposta num punhado de frases. Oferece ao homem ignorante a irresistível sensatez do absurdo. E assim, ele a aceita com altos cânticos de louvor e tem mais uma desculpa para odiar seus superiores.”

Descontado o elitismo, muito característico de sua pena e de sua época, trata-se de uma bela provocação a postura anti-intelectual de grande parte das crenças que nos cercam, sejam elas religiosas ou seculares.

domingo, 27 de junho de 2010

Querido Scott, Querida Zelda



Todos que já compraram um livro usado já devem, em algum momento, ter sido surpresos ao folheá-lo, curiosa ou despreocupadamente, e encontrar em seu interior algum vestígio deixado pelo seu antigo dono. Um marcador de páginas, uma lista de supermercado, uma foto, um cartão.

Como frequento sebos há muitos anos, confesso que sempre que vejo um livro interessante na prateleira, às vezes até mesmo livros que eu já tenho, eu abro e folheio. Não foram poucas as vezes que eu achei marcas dos antigos donos. Guardo comigo uma carta, bastante interessante, de uma mulher que confessava estar em crise em sua profissão e sonhava seguir uma carreira como escritora. Às vezes, tomo a carta da minha caixinha e procuro pelo seu nome na internet. Já encontrei, no interior de um livro bastante antigo, um lindo marcador de páginas, que era uma espécie de bilhete de divulgação de um circuito de passeios por uma região da França, datado do segundo semestre de 1929.

E, é claro, já perdi coisas dentro de vários livros que negociei por aí. Anotações, marcadores de página (inclusive um marcador de couro, cuja falta ainda me incomoda) e outras pequenas coisas já se foram em meio às páginas de livros que passaram pelas minhas mãos.



Pensei bastante a respeito disso depois da compra que fiz hoje à tarde de uma das expositoras do Brick da Redenção, em Porto Alegre. Um belo exemplar de “Querido Scott, Querida Zelda”, obra apresentada como a compilação de todas as cartas trocadas entre F. Scott Fitzgerald e Zelda Fitzgerald. A relação de ambos foi uma das mais marcantes e das mais intensas das primeiras décadas do século XX. Paixão e ódio, opulência e decadência, doença e loucura são ingredientes desse relacionamento entre duas personalidades trágicas e brilhantes. Suas vidas, em muito descritas nas páginas de obras de Fitzgerald como Belos e malditos, Suave é a noite e O Grande Gatsby, já alimentaram a sanha de biógrafos por conta desses e outros ingredientes.

O interessante é a maneira que o livro me foi apresentado pela vendedora. Logo ao pegá-lo do pano onde ele estava exposto, chamou-se a atenção a quantidade de rasuras que estampavam a primeira página, ao que a vendedora disparou:

Briga de casal. Primeiro trocaram dedicatórias, depois riscaram os nomes e as frases que escreveram com tanta força que chegaram a danificar algumas páginas seguintes, mas o miolo está limpinho.

O preço estava ótimo e, de fato, o livro estava perfeito, exceto pela rasura. Fiz algum esforço para ler o que estava sob os riscos, feitos com esferográfica azul e muita força. Não seria exagero dizer que com raiva. Juras de amor apagadas pelo tempo e por um dos outrora apaixonados.

Por mais que eu esteja sendo óbvio fazendo essa comparação, não deixa de ser engraçado que um livro que compila as cartas de um casal que viveu tão intensamente e que teve tantos problemas carregue as suas cicatrizes, deixadas pelos seus antigos donos, também um desventurado casal.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A culpa é mesmo das pedagogas?


A postagem de hoje pode parecer um pouco esquisita aqueles que me conhecem melhor. Via-de-regra discordo do Luís Augusto Fischer. Nada pessoal, conversei com ele algumas vezes, até o achei simpático, mas nossos pontos de vista em diversos aspectos são “cronicamente inviáveis”. Ele é colorado, eu gremista. Ele gosta de autores que me causam erisipela. Detesta, ou ao menos milita contra o modernismo de 1922, tema que estudo. Ele é midiático e uma espécie de guru de uma pensée portoalegrense da qual fujo como o Diabo da cruz.

Mas, como não desgosto do que ele escreve de antemão, quase sempre o leio. No jornal Zero Hora de hoje, ele tratou de um tema que me interessa muito e, portanto, quero comentar algumas passagens dessa crônica e testar nossa incompatibilidade.
Fischer intitulou sua crônica “A professora assaltada”. Tomando o caso de uma professora que foi assaltada por seus alunos, ele tira o foco da criminalidade para falar do crime de lesa-educação que todos sofremos, qual seja, o discurso imperante entre os “gestores de educação” sobre métodos de ensino e sobre avaliação. Cito a passagem (um pouco longa) que é o “miolo” de seu texto e interpolo algumas observações:

Mas há um inimigo do professor e da educação que está, ou deveria estar, ao alcance do gestor da educação. Esse inimigo é a mentalidade anti-intelectual e anticientífica de grande parte dos pedagogos e dos próprios gestores da educação, em nossos tempos. [Em nossos tempos? A mentalidade anti-intelectual é uma característica destacada sobre os brasileiros desde o começo do século XIX. Alunos preguiçosos e pouco interessados são registrados desde, ao menos, os gregos do século V a.C.!]

Sabe onde se esconde esse inimigo? Na recusa à cobrança de conteúdos. No repúdio à prova de conhecimentos. No menosprezo à leitura de livros clássicos. Na ridicularização do professor que quer dar aulas expositivas. No endeusamento de parcialíssimas premissas do dito construtivismo. Na fantasia da aquisição e da construção do conhecimento como coisa indolor e acessível aos que não se esforçam. [Estudar requer, evidentemente, disciplina. Repudio igualmente a lógica atribuída aos construtivistas de que há aprendizado sem esforço e de que tudo deve ser lúdico. O jogo, o prazer, está presente no processo de descoberta científica, mas nunca chegaremos a ele sem todo o período de aprendizado, feito em muitos casos de sofrimento. Agora, atribuir o caos de nossa educação aos “gestores de educação” é de um simplismo retumbante. Então, antes dos construtivistas, tínhamos gênios brotando do chão feito capim?]

Concordo com ele, ao menos na preocupação que demonstra. A lógica do aluno cliente, estimulada por algumas instituições privadas de ensino (lógica que vemos tristemente imperante das escolinhas de educação infantil ao ensino superior), exige dos docentes o malabarismo de nunca frustrar ninguém, de nunca corrigir, de poucas vezes conseguir distinguir o certo e o errado. Ora, se por um lado não queremos uma escola como aquela apresentada em The Wall, do Pink Floyd, por outro lado ainda precisamos de uma escola que cumpra a sua função primordial: ensinar, ou ao menos despertar nos alunos o tesão pela aquisição de conhecimentos.

Gostaria de destacar ainda a sua menção à mentalidade anti-intelectual imperante. Bueno, esse é um problema complexo e que merece maior discussão do que as parcas linhas de uma crônica. Mas, convenhamos, não se trata de um problema novo. Ele está na base da formação histórica do Brasil e ele segue se reproduzindo com muita força, em todas as partes. Há uma quantidade incrível de alunos que estão no ensino superior e se recusam a ler – e este é um fenômeno perceptível em toda e qualquer instituição (universidades federais, estaduais e privadas, com sutis diferenças, ainda que seja comum a todas). Além de muitos se recusarem terminantemente a ler, trazem na bagagem uma formação escolar muito precária.

Não adianta mais se perguntar sobre a origem do problema: se é o país, a escola, a pobreza ou o escambau. Mas o fato é que o problema existe. Talvez por me sentir solitário e por ser, na realidade, um pouco tímido, sempre gostei muito de ler. Fui, mais de uma vez, incompreendido na escola. Achando que as coisas mudariam no curso superior, nova decepção. Lembro de ter ouvido de um professor que tive na graduação que eu era grosseiro com meus colegas por mencionar o tempo todo livros que eu havia lido e eles não. Nunca ocorreu a ele que essa era (e continua sendo) minha forma preferencial de comunicação. E o que é pior: a falta de cultura dos demais era premiada (e mesmo estimulada) no momento em que eu era repreendido!

Nos cursos de mestrado e de doutorado, sempre aumentam as chances de conhecermos pessoas com compatibilidade de interesses e com experiências semelhantes. Mas é triste perceber que estejamos diante de uma geração de jovens pós-graduandos com lacunas imensas em sua formação, fazendo com que a bola de neve só aumente e ganhe velocidade.

Assim, vou me dando por conta de que o texto do Fischer foi, como para ele a história da professora assaltada, apenas um mote. E, na verdade, confirmei a hipótese de que, em geral eu discordo dele. Acho que é “jogar para a torcida” colocar a culpa na conta das “pedagogas”. Fico me perguntando sobre o impacto positivo na formação dos alunos ou do público leitor de obras como o “Dicionário de Porto-Alegrês”, livro, no máximo, engraçado. Feito, diga-se, ao gosto dos anti-intelectuais. Cheio de piadinhas, sem nenhuma discussão sobre os aspectos lingüísticos e, como não poderia deixar de ser, best-seller em um estado e uma cidade que adoram olhar para o seu umbigo.

Sobre os dilemas do anti-intelectualismo, duas publicações disponíveis em português mostram que, lamentavelmente, as coisas não andam tão boas assim em outros países, ainda que eles continuem a milhões de km à nossa frente:

Dietrich Schwanitz. Cultura Geral. SP: Martins Fontes.

Michael Dirda. O prazer de ler os clássicos. Martins Fontes.

O primeiro é um manual que procura sintetizar tudo o um “cidadão civilizado” deve saber sobre arte, música, história e tudo o mais. Um profundo lamento de um erudito que via o mundo que ele estudou ao longo da vida, erodir. O segundo é uma viagem pelos clássicos da literatura ocidental, tentando, de alguma forma, provar que eles valem a pena.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O mundo do sexo



Este é o título de um pequeno livro de Henry Miller, publicado pela José Olympio, editora que faz o grande serviço de manter o autor em catálogo com vários de seus títulos. Não raro, Miller é simplesmente jogado em meio aos autores “pornográficos”, autores de livros para ler com uma só mão. Mas a sua obra vai muito além disso.

É indiscutível que em diversas de suas obras são densas e minuciosas as descrições de sexo, em linguagem crua e direta. E, não menos importantes para os leitores mais fetichistas, a maior parte de suas obras tem caráter autobiográfico. No entanto, não é apenas de sexo que são feitas as suas páginas. Na realidade, é digno de nota o fato de ele haver escrito vários livros de ensaios, como o interessantíssimo “Pesadelo Refrigerado”, retrato pessimista dos EUA, feito por Miller depois de uma longa viagem pelo país recém chegado de uma prolongada estada em Paris.




Em O mundo do sexo, escrito após Trópico de Câncer (1934) e Trópico de Capricórnio (1939), Miller faz uma espécie de reflexão sobre a maneira com que o sexo é visto por ele e transformado em criação literária, bem como as reações mais comuns á sexualidade, em especial levando em conta o olhar de estadunidenses e franceses. Há passagens muito interessantes no que diz respeito a essa comparação, que certamente reforçam algumas das impressões mais pessimistas sobre a cultura estadunidense, em especial seu moralismo.

O sexo, para Miller, acaba por ser mais do que religião ou prazer, é um caminho para a autolibertação. Aos seus olhos, o ambiente mundano por ele frequentado nas décadas de 1920 e 1930 permitia que ele se desfizesse de amarras herdadas de sua educação e de alguns dos ideais desposados pelos “homens de bem”. Em diversos momentos ele faz o elogio das putas, dos vagabundos e dos viciados com os quais convivia em bairros barra-pesada de Paris, de alguma forma glorificando aquela forma de vida frágil e exposta, dando-lhe, como fariam mais tarde os Beats, uma forma bastante peculiar de sacralidade.

Essa espécie de mística da derrisão como uma forma de vida superior não foi bem compreendida. Demonstrou em diversas passagens da obra a sua irritação com relação aos leitores com os quais conversava sobre seu trabalho. Eles se dividiam em dois grupos: aqueles que gostavam de seus romances, em especial por conta das passagens sobre sexo, e aqueles que gostavam de seus ensaios, pela relativa ausência de carne, pela sua neutralidade. Segundo Miller: “Apenas poucas almas com discernimento parecem capazes de reconciliar os aspectos supostamente contraditórios de um ser que se esforçou para que nenhuma parte sua deixasse de aparecer em sua obra escrita”.

E essa talvez seja a principal característica da obra de Henry Miller como um todo: uma união entre vida e obra que inspirou, em muito, as gerações que cresceram com suas obras, muitas vezes em edições cladestinas ou de fundo de quintal, como uma espécie de tábua de salvação, em especial pela liberdade que delas transpirava.

Para ler um pouco de Henry Miller:

Trópico de Câncer. José Olympio, 2006.
Trópico de Capricórnio. José Olympio, 2008.
O mundo do sexo. José Olympio, 2007.
Big Sur e as laranjas de Hieronymus Bosch. José Olympio, 2006.
Dias de paz em Clichy. José Olympio, 2006.
Pesadelo refrigerado. Francis, 2005.
Sexus. Companhia das Letras, 2004.
Plexus. Companhia das Letras, 2005.
Nexus. Companhia das Letras, 2006.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Moleskine



Sim, é frescura. Não muda em nada escrever em papel de pão, sulfite ou qualquer outro tipo de papel, a menos que tenhas pretensões de durabilidade e qualidade daquilo que despejas sobre o papel mas, inegavelmente, fetichista que sou, devo dizer que adoro e que sou um dos devotos seguidores da Moleskine. Não vou ficar explicando aqui o que é, pois como (quase) tudo o que se pode imaginar, há uma página dedicada a ela na Wikipedia, assim como o site oficial é esclarecedor. O básico é o seguinte: uma linda caderneta de anotações, em papel acid free, capa de couro, marcador de página e um laço elástico que a mantém fechada.



Há uma mística em torno da Moleskine. Diz-se que escritores e artistas conhecidos, como Joyce, Hemingway, Van Gogh e Picasso sempre carregavam a sua no bolso, o que dá a ilusão aos aspirantes a escritor de que o simples fato de portá-la dará asas a sua imaginação ou ao seu engenho. Bastaria observar que Moleskines são fabricadas aos milhares, em série. Já Joyces e Picassos... Houve até um escritor tarimbado que afirmou por aí que é recomendável que os jovens escritores escrevam suas idéias em material de boa qualidade, como a Moleskine.

Bobagens a parte, há detalhes divertidos como o seguinte: na primeira página, há um espaço para se colocar o nome e a recompensa oferecida pela devolução da caderneta. É um belo objeto, de ótimo acabamento, assim como a Parker 51 é uma belíssima caneta. Nada mais, nada menos.

domingo, 30 de maio de 2010

Horses (1975)


Enquanto trabalhava, resolvi pesquisar em uma dessas rádios online por algumas coisas que nunca tive grande oportunidade de ouvir e tive a sorte de encontrar uma preciosidade, lacuna sentida na minha modesta mas, porque não dizer, esmerada discoteca de rock: Horses (1975), de Patti Smith. A facilidade com que hoje se encontra praticamente qualquer disco, de qualquer artista, me fez lembrar das dificuldades de alguns anos atrás.

Em parte pela falta de grana, em parte pelas dificuldades de se encontrar certos artistas que raramente entravam em catálogo por estas bandas, me lembro bem da logística que se fazia para conseguir certos discos. O primeiro Frank Zappa and the Mothers of Invention me lembro de ter conseguido em uma lojinha que tinha um catálogo de importados que vinha em um livrão, semelhante a uma lista telefônica. Se fazia o pedido e se esperava, e muito. A equiparação entre Dólar e Real foi responsável por alguns dos itens mais interessantes que guardo comigo, coisas de Lou Reed, como um pirata de um show na Europa, em 1972; o primeiro do Velvet Underground, No Fun, dos Stooges e um dos meus favoritos, 4th Way Street, de Crosby, Stills Nash & Young, entre outros biscoitos finíssimos de uma certa família espiritual do rock and roll que ainda curto.

Pois não é que Horses, de Patti Smith, não está lá onde devia, perto de Lou Reed, do Television e de outras coisas que estão sempre ao alcance da mão? O dólar já subiu e já desceu e eu fui deixando. Meu encontro desta noite com esse discaço só tornou minha vida um pouco mais miserável do que de costume. Bom pessimista, me torturo pela ausência do disco em sua forma material mais do que me alegro em ouvi-lo no computador. E que disco!

Horses é com justiça considerado um dos maiores álbuns de estréia da história do rock. Logo nos primeiros minutos, Patti apresenta uma bela versão de Gloria, de Van Morrison, onde metralha: "Jesus died for somebody's sins…but not mine", e as coisas estão mal começando. Ainda que pareça uma egotrip, não tenho como não lembrar de meus tempos de adolescente e de minhas buscas por referências literárias encontradas em discos de bandas como The Doors, que me apresentou, entre outros, a William Blake e Rimbaud, ou Bob Dylan, que me serviu de estímulo para descobrir a poesia beat, em especial Ginsberg, porque essas referências estão todas lá, em cada uma das faixas do álbum.

A voz marcante de Smith ora canta vigorosamente músicas que justificam o selo de pré-punk que nela colaram, como a versão rápida e suja de My Generation, ora se arrasta recitando poesia com um fundo musical hipnótico e um pouco angustiante, lembrando grandes momentos do Velvet Underground, como em Elegie.

Tudo isso pode parecer extremamente pedante pelo quê de iniciático que tem esse papo, mas fazer o quê? Essa patota toda representa o momento áureo do pop, em que as suas referências se fundiam com poesia e filosofia de uma maneira rara e tudo isso é muito bom.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O frenesi polissilábico de Nick Hornby


Tenho diversos motivos pessoais para gostar de Nick Hornby. Ele é fanático por futebol, seus livros são cheios de referências à cultura pop e a sua prosa é envolvente e irônica. Bastante irônica! Acima de tudo, ele é neurótico e adora listas, e devo confessar que além de fazer as minhas próprias, adoro ler as listas dos outros. Quais são as dez músicas da sua vida? Os dez maiores foras que já levou? A escalação ideal do Grêmio de todos os tempos?
Se o Hornby ficcionista todos nós já conhecíamos através de livros como Alta Fidelidade (virou filme, com o John Cusack) e Febre de Bola (também virou filme, com a Drew Barrymore), em Frenesi Polissilábico damos de cara com o Hornby cronista, exercendo com maestria um tipo específico de crônica onde o assunto é a sua vida de leitor. No começo de cada texto, duas listas, uma de livros comprados naquele mês e a outra dos livros lidos.
A voz narrativa que ele assume nos textos é muito interessante, e eles vem eivados de passagens divertidíssimas. Os assuntos são família, o Arsenal FC, o seu processo criativo e, acima de tudo, livros. Sua postura é muito diferente daquela assumida pelos “críticos de literatura” espalhados por aí. Seus textos são deliberadamente opiniáticos e a visão expressa é absolutamente pessoal, sem qualquer tipo de culpa ou prurido, como ele afirma com todas as letras logo na introdução: “Vou deixar bem claro: fico de saco cheio, entediado e, quando isso acontece, tendo a ficar irritado. Isso tudo me ajudou a descobrir que é fácil eliminar a chatice de minha vida como leitor”.
Não posso, é claro, deixar de destacar uma das melhores características do seu texto: a autoironia. O suavemente feroz humour inglês é destilado por Hornby contra vários dos livros que lê, mas ele nunca deixa de rir de si mesmo.
Há passagens verdadeiramente memoráveis, como a sua imaginária luta de boxe entre as artes, por exemplo. Quem venceria em um ringue: Crime e Castigo ou Guernica? Em quase todas as suas simulações. Hornby acredita que a literatura venceria.
Se para alguns, Nick Hornby já havia provado que é possível criar boa literatura sem que ela seja chata, tornando o prazeroso ato de ler em uma verdadeira prova aos nervos, agora ele vem ajudar a mostrar que ler o que se escreve sobre livros pode, sim, ser divertido.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Entrevista com Daniel Dennett


Saiu na Folha de São Paulo de hoje uma interessante entrevista com o filósofo estadunidense Daniel Dennett, a qual eu reproduzo abaixo. Reproduzo a entrevista em especial pelo fato de tratar de um tema que me interessa muito, a defesa do ateísmo como uma visão de mundo válida. Cortesia da família Frias.

________________________________________________________________

São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

ENTREVISTA DA 2ª

DANIEL DENNETT

As pessoas têm de aprender a conviver com os "sem-deus"

Para filósofo americano, em algumas áreas dos EUA os ateus ainda sofrem a mesma discriminação que os homossexuais sofriam na década de 1950

QUANDO DEZEMBRO chega, diversão é o que não falta na vida do filósofo americano Daniel Dennett, 68. Além de ser tomado por Papai Noel pelas crianças mais empolgadas, o pesquisador ainda organiza sessões caseiras de música natalina.
Só não o convide para a Missa do Galo: ele é um dos mais articulados defensores do ateísmo de inspiração científica.
Autor de "A Perigosa Ideia de Darwin" e "Quebrando o Encanto", Dennett se especializou em explicar com clareza os conceitos-chave da teoria da evolução, usando-a para abordar temas como a natureza da consciência e as origens da religião.

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele afirma que tentar conciliar os dados da biologia evolutiva com a crença em Deus é um ato de desespero intelectual. Os que fazem isso, ataca, "estão apresentando como ciência o que, na verdade, é uma espécie de confusão na cabeça deles".
Diz também que se declarar ateu hoje em algumas regiões dos EUA é o equivalente a se declarar homossexual nos anos 1950, e que a onda recente de livros escritos por cientistas ateus militantes está ajudando a tirar o ateísmo do armário.
Dennett, que estará no Brasil no dia 8 de novembro para participar do seminário Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre (www.fronteirasdopensamento.com.br), conversou com a Folha por telefone. Leia abaixo a entrevista.



FOLHA - Há um grupo de cientistas nos EUA, como Francis Collins, ex-chefe do Projeto Genoma Humano, que são defensores da teoria da evolução e, ao mesmo tempo, tentam conciliá-la com sua fé cristã. Mas têm sido muito atacados, até acusados de criacionistas disfarçados. O sr. concorda com tais críticas?
DANIEL DENNETT - Acho que essas pessoas têm dois padrões diferentes para o que consideram pensamento racional. Quando estão fazendo ciência, adotam um padrão elevadíssimo e, quando estão tentando reconciliar sua ciência com sua religião, acabam aceitando que esse padrão caia um pouco, tolerando argumentos que nunca tolerariam numa discussão científica. Não acho que sejam criacionistas, mas acho que eles estão apresentando como ciência o que, na verdade, é uma espécie de confusão na cabeça deles.

FOLHA - Mas eles deixam claro que a reconciliação não é ciência nem está cientificamente comprovada.
DENNETT - E até que é uma boa tentativa, mas não acho que funcione bem. Podemos colocar da seguinte maneira: a biologia, a teoria evolutiva, não prova de forma absoluta que não pode existir um Deus. Se você quer continuar a acreditar que Ele desempenha algum papel, pode até fazer isso com sua consciência tranquila. Mas você deveria ter em mente que se trata de uma posição que é quase um ato de desespero, não é uma visão positiva de maneira alguma. É uma espécie de último recurso. Terminei recentemente um livrinho que deve ser lançado em breve, um debate com o filósofo cristão Alvin Plantinga. E Plantinga argumenta, corretamente, que a teoria evolutiva é logicamente compatível com a crença num Criador que intervém no processo evolutivo.
Admiti que isso era verdade, mas disse que a evolução também é compatível com a hipótese de que o Superman pousou aqui durante a Explosão Cambriana [evento em que surgiram todos os principais grupos de animais], há 530 milhões de anos e, assim, possibilitou a origem dos humanos. É uma hipótese totalmente doida, mas é coerente com tudo o que sabemos sobre biologia evolutiva.

FOLHA - A onda recente de livros escritos por cientistas que também são ateus militantes surgiu, de acordo com os próprios autores, porque a posição acomodacionista em relação à religião não estava funcionando. E essa nova abordagem? O sr. acha que está funcionando?
DENNETT - Acho que sim, por enquanto, embora estejamos só no começo. Nos EUA, acho que houve uma mudança clara nos padrões de expressão pública. Hoje é muito mais comum ouvir as pessoas dizerem abertamente que não acreditam em Deus, que elas são "sem-deus". Pesquisas recentes mostram que esse é o grupo que mais cresce na população. E, toda vez que alguém se declara abertamente, que se sente encorajado a dizer isso, a atmosfera fica um pouco mais limpa, e a vida fica um pouco mais fácil para outras pessoas.
Ainda há enormes áreas do país onde, se você disser que não acredita em Deus, vai perder seus amigos, seu negócio. Nesse ponto, os ateus estão mais ou menos na mesma posição em que estavam os homossexuais nos anos 1950, ou seja, se você admitir que pertence a esse grupo, sua vida está arruinada.
Temos de mudar isso. Temos de fazer com que seja possível para um morador do "Cinturão da Bíblia" [as áreas mais religiosas dos EUA, nos Estados do Sul e do Meio-Oeste] dizer com toda a franqueza: "Bem, você pode ter sua religião, se quiser, mas eu não sou religioso" e ser respeitado mesmo assim.

FOLHA - No livro "Quebrando o Encanto", sobre a tentativa de explicar as origens da religião com base na biologia evolutiva, o sr. passa a impressão de defender mais a ideia de que a religião é só um subproduto de características da mente humana que evoluíram por outros motivos. Sua posição contra a religião pode ter influenciado essa opinião?
DENNETT - Acho que é importante perceber que as duas visões não são necessariamente conflitantes. Há uma posição óbvia, natural, que diz que primeiro a religião emerge como subproduto de predisposições psicológicas que não têm nada a ver com a religião, e então, depois que ela passa a existir, acaba sendo aproveitada para outras funções, evoluindo, digamos, social e culturalmente. Desse jeito, você pode manter ambas as vertentes, e na verdade acho que esse modelo é bem mais plausível do que uma visão puramente ligada à adaptação, porque é muito difícil imaginar quais teriam sido as pressões de seleção [para que a religião surgisse].

FOLHA - O que o sr. acha da dificuldade das ciências humanas para incorporar a biologia evolutiva na sua maneira de pensar?
DENNETT - Para mim é engraçado ver a quantidade de antidarwinistas "automáticos" existente nas humanidades, na filosofia. Foi o reconhecimento disso que me levou a escrever "A Perigosa Ideia de Darwin". Hei de ir em frente com bom humor e vou mostrar a eles o quão reacionários estão sendo.

FOLHA - Mas por que a resistência?
DENNETT - Acho que eles estão muito presos à ideia que poderíamos chamar de criatividade de cima para baixo, na qual você tem um autor que é o gênio, a fonte das ideias. Essa visão está impressa de modo tão fundo nas artes e nas humanidades que a ideia de que na verdade a coisa está de ponta-cabeça, que os próprios grandes gênios são o produto complexo de processos "sem mente", algorítmicos, de baixo para cima -essa é uma ideia muito difícil de engolir para muita gente. A primeira coisa que nós temos de mudar é o hábito dos especialistas em ciências humanas de zombar dessas ideias e ridicularizá-las. A zombaria deles é obscurantista, ignorante.

FOLHA - Qual a sua visão sobre o estado atual da pesquisa em inteligência artificial? Por que ainda estamos tão longe de conseguir criar uma máquina consciente?
DENNETT - Algumas pessoas que começaram a estudar a IA [inteligência artificial] não estavam interessadas em consciência, mas apenas em produzir alguns sistemas cognitivos extremamente competentes. Essa abordagem foi um sucesso. Não chamamos isso de IA, mas agora faz parte das nossas vidas, seja no caso do reconhecimento de voz, no planejamento de reservas de voo, no controle de diversos elementos dos nossos automóveis. Em certo sentido, tudo isso é inteligência artificial. Quando as pessoas pensavam em robôs 20 anos ou 30 anos atrás, imaginavam humanoides que seriam mordomos, arrumadeiras ou cozinheiros.
Esses robôs não existem, mas ao menos parte dessas tarefas hoje são rotineiramente delegadas ao controle de computadores. Então, esse primeiro sonho se realizou, de fato. O outro sonho da IA, o de realmente construir um robô consciente, sempre foi loucamente ambicioso, e uma das coisas que aprendemos foi exatamente a dimensão dessa dificuldade. A robótica humanoide continua, mas acho que nunca criaremos um robô humanoide consciente. Custaria mais do que pousar na Lua.

FOLHA - Em "A Perigosa Ideia de Darwin" o sr. diz que, ainda que não seja possível ou sensato rezar para o Universo, a ciência proporciona uma espécie de assombro transcendental diante dele. Nesse ponto, a ciência e a religião não se aproximam?
DENNETT - Sim, eu acho que a melhor ideia da religião é encorajar uma certa modéstia, um respeito e uma reverência pela natureza neste incrível Universo que nós habitamos. E, claro, isso remonta diretamente a [Baruch] Spinoza [filósofo holandês do século 17], para quem o caminho para estudar Deus é estudar a natureza. Acho que o respeito e o amor por este mundo maravilhoso no qual existimos, que pode nos inspirar a melhorá-lo para outras pessoas, é a melhor mensagem da religião, e a ciência pode compartilhar esse sentimento.

FOLHA - O sr. ainda participa de corais de Natal?
DENNETT - Sim, todos os anos fazemos uma festa dedicada a canções natalinas, temos nosso próprio livro de partituras que eu fui montando com todo o carinho ao longo dos anos. É lindo. Costumam aparecer umas 30 pessoas, talvez algumas delas sejam religiosas, mas a maioria deles é como eu. Somos cristãos culturais -crescemos com essas músicas e adoramos, então mantemos a tradição viva. E, sim, a criançada às vezes ainda me confunde com Papai Noel.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Oficinas literárias


Não faz muito chegou às livrarias a plaquete de José Hildebrando Dacanal sobre as oficinas literárias. Nunca fiz uma oficina literária, nem mesmo tenho pretensões de me tornar ficcionista. Não tenho amigos no meio, nem mesmo pena alugada para defender quem quer que seja.
Sou apenas um consumidor de (boa) literatura. O que muitos chamam de um leitor acomodado, outros de um leitor exigente: só leio clássicos. Como não tenho muito tempo nem mesmo grande curiosidade de saber o que dizem os novíssimos, em especial os novíssimos de nossas paragens, fico com aquilo que tenho certeza me dará prazer.
Ainda assim, gostaria de comentar um pouco sobre a crítica de J. H. Dacanal aos oficineiros, aos profissionais das letras que buscam formar novos escritores.
“Oficinas literárias: fraude ou negócio sério?” é, a rigor, uma colcha de retalhos, composta por um artigo diretamente sobre o tema e por outros que o tangenciam. O intuito de Dacanal é, se bem o entendo, a um só tempo polemizar e apontar para aquilo que ele entende como a boa formação de um escritor. Sendo esse o seu ponto, devo dizer que ele nem polemiza, porque fica em um jogo de insinuações e mensagens cifradas para esse ou aquele oficineiro, o que de resto é muito chato porque improdutivo, nem educa, porque passa parte do livro adotando uma retórica irônica e auto-elogiosa chatíssima.
Seria muito mais produtivo, sendo esse assunto realmente de grande relevância, que esse autor ou outro interessado em mexer no vespeiro analisasse os resultados das oficinas. Comparasse os egressos entre si para averiguar se realmente há o “efeito motoniveladora”, tanto temático quanto estilístico, com conseqüências não só na fatura dos egressos mas também nos critérios que passam a orientar os tais concursos literários das últimas duas décadas. Como se vê, é assunto sério e que merece reflexão e trabalho empírico.
Ora, Dacanal é culto, bem formado e tem trajetória como crítico e como pesquisador. Isso é inegável. Assim como é inegável que o seu “Oficina Literária” seja medíocre. Nele, o autor não foi além de esboçar um programa de estudo que ainda está esperando alguém com interesse em realizá-lo. Além disso, sua narrativa se torna viscosa a cada momento em que se mostra muito satisfeito consigo mesmo, como fica claro na introdução, com as auto-ironias sobre a sua fama de polemista, que lembram mais o Erasmo Carlos de “Minha Fama de Mau” do que a pena viperina de Erasmo de Roterdã, ou o Anexo C do livro, intitulado “Eu sou um imbecil”.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Plágio não!


Nem só de bobagens vive a internet, isso já é sabido há muito tempo. No entanto, do alto de meu ceticismo, não podia imaginar que encontraria uma jóia rara como o blog “Não gosto de plágio”. Editado por Denise Bottmann, tradutora de obras e autores importantes como Marguerite Duras, Giulio Carlo Argan, Peter Gay, e poderíamos seguir muito adiante, pois a lista é longa, “Não gosto de plágio” é uma verdadeira trincheira aberta em defesa daqueles que gostam de literatura e de profissionais da área, como os tradutores.
Ali, corajosamente, são demonstradas a sinecura e a má-fé de diversas “editoras” como Martin Claret e outras tantas. São comparadas as edições atuais de obras clássicas, em geral com direitos vencidos, com as edições mais antigas. Cópias idênticas, sem cuidado algum, tradutores “laranja” e outras picaretagens que fariam Al Capone parecer um amador.
Imagino que o off do blog seja muito interessante. Editores desmascarados devem berrar, e muito. Mas seguramente Denise poderá contar com a classe política brasileira, que, pelo amor ao conhecimento que sempre alimentou, irá apoiar iniciativas como a sua com políticas públicas que punam os malandros e apoiem os justos...
De nossa parte, de todos, o que importa é divulgar esse extraordinário trabalho. Ver:

http://naogostodeplagio.blogspot.com/

terça-feira, 27 de abril de 2010

Paladas de Alexandria

Paladas de Alexandria (360 a 430 ou 316 a ?), grego do período de decadência da cultura clássica, é um dos testemunhos mais vivos da transição do mundo antigo, sendo ele poeta e epigramista pagão de uma deliciosa veia satírica. Se fosse o caso, diria que por conta de sua verve ferina é um dos meus autores preferidos. Há na sua ironia e em suas frases de humor rascante um sentimento de perda, uma vez que ele via ruir um universo de referências frente a intolerância dos cristãos do século IV e V, com sua fúria destruidora de símbolos do paganismo.
Não sou classicista, então não pretendo me espichar em notas sobre Paladas. Recomendo vivamente a leitura de: Paladas de Alexandria. Epigramas. São Paulo: Nova Alexandria, 2001. Edição bilíngue de epigramas selecionados e traduzidos pelo grande José Paulo Paes, acrescida de um belo ensaio introdutório ao tema. Abaixo, algumas passagens de Paladas:

1.
Acaso estamos mortos e só aparentamos
estar vivos, nós gregos caídos em desgraça,
que imaginamos a vida semelhante a um sonho,
ou estamos vivos e foi a vida que morreu?

2.
Ouro, pai dos aduladores, filho da aflição e do cuidado,
não te possuir dá medo e possuir-te aflição

3.
A filha do gramático ajuntou-se e teve uma criança
do gênero masculino, feminino e neutro.

4.
Se lembrares, homem, como foste por teu pai gerado,
esquecerás as idéias de grandeza.
Platão, o sonhador, encheu tua cabeça de empáfia
ao te chamar de imortal, planta celeste.
De barro és feito; por que a presunção? Só fala assim
quem se compraz em fingimentos vistosos.
Mas se buscas a verdade, recorda que vieste de um
ato de luxúria e de uma gota suja.

5.
Quem por desgraça se casou com mulher feia
vê o escuro da noite quando acende as lâmpadas.

6.
Melhor louvar, a repreensão sempre traz inimizade.
Falar mal todavia é puro mel ático.

domingo, 4 de abril de 2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

Carta de Monteiro Lobato a Erico Veríssimo


Vejo muito papo (em sua gigantesca maioria furado) sobre a criação literária. Cito abaixo um trecho de uma carta, muito bem humorada, dirigida pelo grande Monteiro Lobato ao Erico Veríssimo. Nela, ao comentar o livro "Gato preto em campo de neve", ele dá a seguinte definição do "estilo":

__________________________________________________________

E que estilo! A língua te obedece como massa de pão entre os dedos do bom padeiro absolutamente limpo de estáticas - maneirismos, exibicionismos, flores de cera, besteiras. Escrever bem é isso, Veríssimo - é escrever como você escreve - organicamente, como o correntio duma função natural da nossa fisiologia. Escrever bem é mijar. É deixar que o pensamento flua como o à vontade de uma mijada feliz.

Publicado em: Caderno Mais!, FSP, 01/01/95

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Marcelo Rubens Paiva

Saiu no Estadão e merece ser lido e discutido.

______________________________________________________________________________


Sábado, 30 de Janeiro de 2010 | Versão Impressa


Caros generais, almirantes e brigadeiros

Marcelo Rubens Paiva


Eu ia dizer "caros milicos". Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?

Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.

Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.

Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.

Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do Cinema Novo?

Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.

Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação?

Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.

Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha 5 anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.

Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?

Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.

Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de 5 anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia...

Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de "gorilas". Ri muito quando a recebi.

Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.

Num voo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador.

Mas veio a luta armada, os primeiros sequestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores - ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.

A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.

Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram. Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais.

Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.

Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa (a de que ele tinha fugido) e não se falou mais no assunto.

Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do 2º Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.

Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para "desaparecido". Deixei em branco.

Levei uma dura do oficial. Não resisti: "Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo." Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, "dispensado", e saí de lá com a alma lavada.

Então, só em 1996, depois de um decreto-lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.

Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o brigadeiro Burnier lhe disse: "Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças."

Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.

Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010


Para aqueles que ainda acham que futebol não é digno de reflexão, um certo Pasolini escrevendo sobre o nobre esporte bretão.
______________________________________________
Este artigo é uma tradução revisada de Maurício Santana Dias para o texto escrito, meses depois da final entre Brasil e Itália na Copa de 1970, pelo cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, diretor de filmes como Decameron, Salò, Teorema, Édipo rei.


Futebol de prosa e futebol de poesia

Em meio ao debate atual sobre os problemas linguísticos que separam de forma artificial literatos de jornalistas e jornalistas de jogadores, fui indagado por um gentil repórter do Europeo; mas minhas respostas saíram cortadas e depauperadas no tabloide (por causa das exigências jornalísticas!). Porém, como o assunto me interessa, gostaria de voltar a ele com mais calma e com a plena responsabilidade sobre aquilo que digo. O que é uma língua? “Um sistema de signos”, responde hoje do modo mais exato um semiólogo. Mas esse “sistema de signos” não é apenas, necessariamente, uma língua escrita-falada (esta que usamos agora, eu escrevendo e você, leitor, lendo).
Os “sistemas de signos” podem ser muitos. Vejamos um caso: você, leitor, e eu estamos numa sala onde também estão presentes Ghirelli e Brera [1], e você quer me dizer algo sobre Ghirelli que Brera não deve ouvir. A situação impede que você me fale por meio do sistema de signos verbais, e então é preciso recorrer a outro sistema de signos, por exemplo, o da mímica; aí, você começa a revirar os olhos, a entortar a boca, a agitar as mãos, a ensaiar gestos com os pés etc. Você é o “cifrador” de um discurso “mímico” que eu decifro: isso significa que possuímos em comum um código “italiano” de um sistema de signos mímico.
Outro sistema de signos não verbal é o da pintura; ou o do cinema; ou o da moda (objeto de estudo de um mestre nesse campo, Roland Barthes) etc. O jogo de futebol também é um “sistema de signos”, ou seja, é uma língua, ainda que não verbal. Por que digo isso (que em seguida pretendo desenvolver esquematicamente)? Porque a “querelle” que contrapõe a linguagem dos literatos à dos jornalistas é falsa. E o problema é outro.
Vejamos. Toda língua (sistema de signos escritos-falados) possui um código geral. Tomemos o italiano: usando esse sistema de signos, você, leitor, e eu nos entendemos porque o italiano é um patrimônio nosso, comum, “uma moeda de troca”. Entretanto, cada língua é articulada em várias sublínguas, e cada uma delas possui, por sua vez, um subcódigo: os italianos médicos se compreendem entre si – quando falam o jargão especializado – porque todos eles conhecem o subcódigo da língua médica; os italianos teólogos se compreendem entre si porque detêm o subcódigo do jargão teológico etc. etc.
A língua literária é também uma língua de jargão, com um subcódigo próprio (em poesia, por exemplo, em vez de dizer “speranza” é possível dizer “speme”, mas não estranhamos essa coisa engraçada porque se sabe que o subcódigo da língua literária italiana demanda e admite que, em poesia, sejam usados latinismos, arcaísmos, palavras truncadas etc. etc.).
O jornalismo nada mais é que um ramo menor da língua literária: para compreendê-lo, valemo-nos de uma espécie de subsubcódigo. Em palavras pobres, os jornalistas são apenas escritores que, a fim de vulgarizar e simplificar conceitos e representações, se valem de um código literário, digamos – para ficar no campo esportivo –, de segunda divisão. Assim, a linguagem de Brera é de segunda divisão se comparada à linguagem de Carlo Emilio Gadda e de Gianfranco Contini.[2] E a língua de Brera é, talvez, o caso mais bem qualificado do jornalismo esportivo italiano.
Portanto, não existe conflito “real” entre escrita literária e jornalística: o problema é que esta, coadjuvante como sempre foi, agora exaltada por seu uso na cultura de massa (que não é popular!), encampa pretensões um tanto soberbas, de “parvenu”. Mas vamos ao futebol. O futebol é um sistema de signos, ou seja, uma linguagem. Ele tem todas as características fundamentais da linguagem por excelência, aquela que imediatamente tomamos como termo de comparação, isto é, a linguagem escrita-falada.
De fato as “palavras” da linguagem do futebol são formadas exatamente como as palavras da linguagem escrita-falada. Ora, como elas se formam? Formam-se por meio da chamada “dupla articulação”, isto é, por infinitas combinações dos “fonemas” – que, em italiano, são as 21 letras do alfabeto.
Os “fonemas” são, pois, as “unidades mínimas” da língua escrita-falada. Se quisermos nos divertir definindo a unidade mínima da língua do futebol, podemos dizer: “Um homem que usa os pés para chutar uma bola”. Aí está a unidade mínima, o “podema” (para continuar a brincadeira). As infinitas possibilidades de combinação dos “podemas” formam as “palavras futebolísticas”; e o conjunto das “palavras futebolísticas” constitui um discurso, regulado por normas sintáticas precisas.
Os “podemas” são 22 (mais ou menos como os fonemas): as “palavras futebolísticas” são potencialmente infinitas, porque infinitas são as possibilidades de combinação dos “podemas” (o que, em termos práticos, equivale aos passes de bola entre os jogadores); a sintaxe se exprime na “partida”, que é um verdadeiro discurso dramático. Os cifradores dessa linguagem são os jogadores; nós, nas arquibancadas, somos os decifradores: em comum, possuímos um código.
Quem não conhece o código do futebol não entende o “significado” das suas palavras (os passes) nem o sentido do seu discurso (um conjunto de passes).
Não sou nem Roland Barthes nem Greimas, mas, como diletante, se quisesse, poderia escrever um ensaio sobre a “língua do futebol” bem mais convincente do que este artigo. Aliás, penso que se poderia escrever um belo ensaio intitulado “Propp [3] aplicado ao ludopédio”, já que, sem dúvida, como qualquer língua, o futebol tem seu momento puramente “instrumental”, regulado pelo código de forma rígida e abstrata, e o seu momento “expressivo”.  Há pouco, disse que toda língua se articula em várias sublínguas, cada qual com um subcódigo.
Pois bem, do mesmo modo, com a língua do futebol é possível fazer distinções desse tipo: o futebol também possui subcódigos, na medida em que, de puramente instrumental, se torna expressivo.
Há futebol cuja linguagem é fundamentalmente prosaica e outros cuja linguagem é poética. Para explicar melhor minha tese, darei – antecipando as conclusões – alguns exemplos: Bulgarelli joga um futebol de prosa, é um “prosador realista”; Riva joga um futebol de poesia, é um “poeta realista”. Corso [4] joga um futebol de poesia, mas não é um “poeta realista”: é um poeta meio “maldito”, extravagante.
Note-se que não faço distinção de valor entre a prosa e a poesia; minha distinção é puramente técnica. Entretanto nos entendamos. A literatura italiana, sobretudo a mais recente, é a literatura dos “elzevires”: os escritores são elegantes e, no limite, estetizantes; a substância é quase sempre conservadora e meio provinciana... Em suma, democrata-cristã. Todas as linguagens faladas em um país, mesmo as mais especializadas e espinhosas, têm um terreno comum, que é a cultura desse país: sua atualidade histórica.
Assim, justamente por razões de cultura e de história, o futebol de alguns povos é fundamentalmente de prosa, seja ela realista ou estetizante (este último é o caso da Itália); ao passo que o futebol de outros povos é fundamentalmente de poesia.
Há no futebol momentos que são exclusivamente poéticos: trata-se dos momentos de gol. Cada gol é sempre uma invenção, uma subversão do código: cada gol é fatalidade, fulguração, espanto, irreversibilidade. Precisamente como a palavra poética. O artilheiro de um campeonato é sempre o melhor poeta do ano. Neste momento, Savoldi [6] é o melhor poeta. O futebol que exprime mais gols é o mais poético.
O drible é também em essência poético (embora nem sempre, como a ação do gol). De fato, o sonho de todo jogador (compartilhado por cada espectador) é partir da metade do campo, driblar os adversários e marcar. Se, dentro dos limites permitidos, é possível imaginar algo sublime no futebol, trata-se disso. Mas nunca acontece. É um sonho (que só vi realizado por Franco Franchi [7] nos Mágicos da bola, o qual, apesar do nível tosco, conseguiu ser onírico à perfeição).
Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores fazedores de gols? Os brasileiros. Portanto, o futebol deles é um futebol de poesia – e, de fato, está todo centrado no drible e no gol. A retranca e a triangulação é futebol de prosa: baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código. O seu único momento poético é o contra-ataque seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individual (drible e gol; ou passe inspirado).
O futebol de prosa é o do chamado sistema (o futebol europeu). Nesse esquema, o gol é confiado à conclusão, possivelmente por um “poeta realista” como Riva, mas deve derivar de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens “geométricas”, executadas segundo as regras do código (nisso Rivera é perfeito, apesar de Brera não gostar porque se trata de uma perfeição meio estetizante, não realista, como a dos meio-campistas ingleses ou alemães).
O futebol de poesia é o latino-americano. Esquema que, para ser realizado, demanda uma capacidade monstruosa de driblar (coisa que na Europa é esnobada em nome da “prosa coletiva”): nele, o gol pode ser inventado por qualquer um e de qualquer posição. Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira.

Notas
[1] Antonio Ghirelli (1922), jornalista e porta-voz do futuro presidente italiano Alessandro Portini; e Gianni Brera (1919-1992), jornalista esportivo. [N. do E.]
[2] Carlo Emilio Gadda (1893-1973), escritor; e Gianfranco Contini (1912-1990), crítico literário. [N. do E.]
[3] Vladimir Propp (1895-1970), crítico estruturalista russo que analisou as narrativas populares. [N. do E.]

[4] Giacomo Bulgarelli (1940-2009), meio-campista; Luigi Riva (1944), atacante; e Mario Corso (1941), armador. [N. do E.]
[5] Gianni Rivera (1943), meio-campista; Sandro Mazzola (1942), atacante. [N. do E.]
[6] Giuseppe Savoldi (1947), atacante italiano. [N. do E.]
[7] Franco Franchi (1922-1992), um dos principais nomes do cinema cômico italiano. [N. do E.]

___________________________________

Extraí esse belíssimo texto da página do Instituto Moreira Salles, ao qual agradeço a gentileza. Ver mais em http://ims.uol.com.br/Home/D1

The Clash


Qualquer juízo estético, ainda que exija uma argumentação razoável e amparada em alguns dados objetivos que possam ser cotejados por qualquer um que queira concordar ou discordar daquele que emite esse juízo, expressa muito daquilo que o crítico acredita. Dito isso, lasco a seguinte idéia: a banda de rock mais importante entre os anos 1970 e 1980 foi o The Clash. De um lado, assim como outras bandas surgidas no chamado movimento punk, ajudou a escancarar a estupidez daquele rock hiper-afetado e artificial, praticado tanto pelo hard rock de comercial de xampú quanto pela ego-trip do, na maior parte das vezes soporífero, rock progressivo.
Muitas vezes tosco, direto, com pegada e gritado com paixão, o Punk Rock, em especial o praticado pelo Clash, era a um só tempo divertido, inventivo, irônico e corrosivo em suas críticas sociais. Se o vocalista do Sex Pistols abriu o jogo e deixou claro que o lance deles era grana, os integrantes do The Clash assumiram várias das principais bandeiras políticas da época, como os movimentos comunistas pelo terceiro mundo (como esquecer que um dos álbuns mais malucos deles chamava-se Sandinista, um triplo vendido por exigência deles com preço de simples).
Pela simplicidade, pela inventividade e pela mensagem, verdadeiro lema de uma época, o faça você mesmo, bandas como o Clash, e eu acho que eles são peça fundamental nessa jogada, abriram as portas para o chamado rock dos anos 1980. Antes de pensar que eu sou trouxa, pegue o duplo The Essencial Clash, ouça inteiro e leia a respeito da história da banda.
Dá uma espiada na letra abaixo:

Spanish bombs

Spanish songs in Andalucia
The shooting sites in the days of '39
Oh, please, leave the ventana open
Federico Lorca is dead and gone
Bullet holes in the cemetery walls
The black cars of the Guardia Civil
Spanish bombs on the Costa Rica
I'm flying in a DC 10 tonight

CHORUS
Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon
Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon

Spanish weeks in my disco casino
The freedom fighters died upon the hill
They sang the red flag
They wore the black one
But after they died it was Mockingbird Hill
Back home the buses went up in flashes
The Irish tomb was drenched in blood
Spanish bombs shatter the hotels
My señorita's rose was nipped in the bud

CHORUS
Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon
Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon

The hillsides ring with "Free the people"
Or can I hear the echo from the days of '39?
With trenches full of poets
The ragged army, fixin' bayonets to fight the other line
Spanish bombs rock the province
I'm hearing music from another time
Spanish bombs on the Costa Brava
I'm flying in on a DC 10 tonight

Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon
Spanish bombs, yo te quiero Y FINITO
Yo TE GUERDA, oh mi corazon

Spanish songs in Andalucia, mandolina, oh mi corazon
Spanish songs in Granada, oh mi corazon