segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Fiat lux


Divulguei há alguns dias nesse blog um texto do filósofo norte-americano Daniel Dennett sobre os Brights. Admito que, por algum tempo, eu mesmo fui um pouco cético com relação aos debates exaltados em defesa de um ponto de vista, como esses autores dizem, naturalista ou militantemente ateu e secular. Não que eu não achasse relevante discutir o assunto, mas do auge do meu otimismo acreditava que havia uma divisão tácita entre as pessoas que acreditavam e levavam a sua vida de acordo com as suas crenças e aqueles que não acreditavam nas mesmas coisas que os primeiros e que, da mesma forma, cuidavam de seu nariz.

Ledo engano. Ultimamente tenho me tornado um leitor entusiasta dos Brights de ontem e de hoje e cada vez mais interessado em entrar na discussão sobre a religião. Os motivos são crescentes, mas pelo menos dois, ambos bastante amplos, tem despertado o meu ímpeto: o primeiro é o crescimento avassalador das Igrejas Neo-pentecostais e o avanço agressivo de determinados movimentos dentro das igrejas mais tradicionais em busca do rebanho perdido e o segundo a presença dos discursos baseados em alguma forma de fé no campo política e a estratégia utilizada pelas bancadas igrejeiras na ligação entre a sua igreja e a política partidária.

Na política, o crescimento dessas bancadas igrejeiras e a perigosa hegemonia que formam em todas as esferas do poder público que deveria, indiscutivelmente, ser secular tem colocado em risco a avaliação de uma série de projetos políticos de grande importância para os cidadãos brasileiros. Poderíamos buscar alguns exemplos em temas que são sabidamente polêmicos e que precisam ser discutidos com base em uma análise racional: a pesquisa com células-tronco, a legalização do aborto, a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, isso para permanecer em apenas alguns exemplos.

Será que temos condições de discutir esses temas partindo de uma concepção religiosa? Sou daqueles que acredita que Igreja e Estado precisam, para a boa saúde e o bom funcionamento de ambos, estar claramente separados. Mas no Brasil, há juízes que recomendam a pessoas condenadas que rezem e que procurem ajuda na fé para se libertarem de sua vida de crimes. Há repartições públicas que ostentam símbolos religiosos cristãos, quando pelo seu caráter público indiscutivelmente deveriam ser “neutras” com relação a símbolos dessa natureza, uma vez que suas portas estão abertas para todos, católicos, judeus, muçulmanos, afro e ateus. E há muitas escolas públicas que rezam Pai Nosso com os alunos pela manhã antes do início das aulas. Acalma as crianças, segundo a diretora...

Para não permanecer apenas em torno de exemplos genéricos e pouco palpáveis, vai um caso recolhido no Jornal Folha de São Paulo de ?. Em algumas páginas dedicadas à ciência, Marcelo Leite nos apresenta o currículo da tradicionalíssima escola paulista, a Mackenzie, onde a origem da vida é ensinada, assim como em diversas escolas norte-americanas, seguindo os ensinamentos criacionistas. Se quiseres saber mais, dê uma olhada no texto reproduzido abaixo.

_______________________


São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

Criacionismo no Mackenzie

Marcelo Leite

O Instituto Presbiteriano Mackenzie abrange uma universidade e uma escola das mais tradicionais de São Paulo. Só na unidade paulistana do colégio há mais de 1.800 alunos. Seu campus no quarteirão ladeado pela avenida da Consolação e pela rua Maria Antônia é um ponto de referência na cidade.

Talvez poucos se dêem conta de que se trata de um estabelecimento confessional de ensino. Isso está bem explícito no nome da instituição, porém. Agora o Colégio Mackenzie é também, oficialmente, criacionista.
Criacionismo é a doutrina segundo a qual Deus criou o mundo com todas as espécies que existem hoje. Isso contradiz a explicação darwinista para a diversidade biológica, fruto da evolução por seleção natural. Inúmeras observações comprovam postulados centrais do darwinismo, como a ascendência comum (todas as espécies provêm de um ancestral único).

O fato de o DNA ser a molécula da hereditariedade em todas elas é a melhor prova desse princípio. Os primeiros seres vivos da Terra "inventaram" essa maneira de transmitir características de uma geração a outra, há cerca de 4 bilhões de anos, e ela se perpetuou desde então.A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.
Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua grande obra, "Origem das Espécies", os educadores do Mackenzie aceitam só o que chamam de "microevolução" (organismos se adaptam a novas condições do meio).

Não, porém, a "macroevolução" (tal adaptação não seria suficiente para originar novas espécies, em verdade criadas por Deus).

A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente nas de ciências. Em 2008 foi usada nos três primeiros anos do ensino fundamental 1, ainda em fase piloto, uma série de apostilas traduzidas e adaptadas de material da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI, na abreviação em inglês), com sede no Colorado, nos Estados Unidos.

A coleção utilizada com crianças de 6 a 9 anos se chama Crescer em Sabedoria. Na capa do volume do terceiro ano estava estampado "Ciências - Projeto Inteligente".

É uma alusão ao argumento do "design inteligente": a natureza é tão complexa e os organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido responsável por sua criação. "Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente", afirma-se na pág. 10. O item 2.1 do volume se chama "O plano de Deus para os ambientes".Pode ser lido na pág. 17: "Deus projetou as cores e as formas de cada animal e o colocou em um ambiente que era perfeito para eles [sic]. Quando um animal usa suas cores ou formas para se esconder em seu ambiente, dizemos que ele está camuflado".

A direção do Mackenzie justifica a omissão da evolução por seleção natural, nessa apostila de ciências, dizendo que se trata de conteúdo previsto apenas para o ensino fundamental 2. Além disso, o material da fase piloto de 2008 foi revisto e a ênfase religiosa, atenuada, mas não excluída.

Darwin, todavia, continua de fora.

Só uma dúzia de pais reclamou.

MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais -Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Sapatos no Bush

Bush escapou da sapatada do jornalista. Se você quiser tentar a sorte, clique em http://charges.uol.com.br/game_ver.php?game_pk=37. O videogame é muito divertido!

Brights

Em meio a tantos disparates cometidos em nome da religião que temos presenciado, todos os dias, seja nos meios de comunicação seja ao vivo, um pouco de ceticismo e uma defesa apaixonada de uma visão de mundo naturalista vai muito bem, obrigado. Intelectuais como o filósofo Daniel Dennett e o biólogo Richard Dawkins tem tomado a dianteira de um movimento chamado "Bright". Eles reivindicam o direito de expressarem, livremente, um ponto de vista ateu sobre as coisas, defendendo esse como um ponto de vista tão legítimo quanto qualquer outro. Se isso parece algo que beira a irrelevância pensando-se no caso brasileiro, no que diz respeito aos EUA movimentos como esse são muito importantes. Abaixo o texto de Dennett, publicado em 2003 no New York Times, espécie de pontapé inicial do movimento.
______________________________________________

The Bright Stuff

By Daniel C. Dennett,Blue Hill , MEJuly 12, 2003

The time has come for us brights to come out of the closet. What is a bright? A bright is a person with a naturalist as opposed to a supernaturalist world view. We brights don't believe in ghosts or elves or the Easter Bunny — or God. We disagree about many things, and hold a variety of views about morality, politics and the meaning of life, but we share a disbelief in black magic — and life after death.

The term "bright" is a recent coinage by two brights in Sacramento, Calif., who thought our social group — which has a history stretching back to the Enlightenment, if not before — could stand an image-buffing and that a fresh name might help. Don't confuse the noun with the adjective: "I'm a bright" is not a boast but a proud avowal of an inquisitive world view.

You may well be a bright. If not, you certainly deal with brights daily. That's because we are all around you: we're doctors, nurses, police officers, schoolteachers, crossing guards and men and women serving in the military. We are your sons and daughters, your brothers and sisters. Our colleges and universities teem with brights. Among scientists, we are a commanding majority. Wanting to preserve and transmit a great culture, we even teach Sunday school and Hebrew classes. Many of the nation's clergy members are closet brights, I suspect. We are, in fact, the moral backbone of the nation: brights take their civic duties seriously precisely because they don't trust God to save humanity from its follies.

As an adult white married male with financial security, I am not in the habit of considering myself a member of any minority in need of protection. If anybody is in the driver's seat, I've thought, it's people like me. But now I'm beginning to feel some heat, and although it's not uncomfortable yet, I've come to realize it's time to sound the alarm.

Whether we brights are a minority or, as I am inclined to believe, a silent majority, our deepest convictions are increasingly dismissed, belittled and condemned by those in power — by politicians who go out of their way to invoke God and to stand, self-righteously preening, on what they call "the side of the angels."

A 2002 survey by the Pew Forum on Religion and Public Life suggests that 27 million Americans are atheist or agnostic or have no religious preference. That figure may well be too low, since many nonbelievers are reluctant to admit that their religious observance is more a civic or social duty than a religious one — more a matter of protective coloration than conviction.

Most brights don't play the "aggressive atheist" role. We don't want to turn every conversation into a debate about religion, and we don't want to offend our friends and neighbors, and so we maintain a diplomatic silence.

But the price is political impotence. Politicians don't think they even have to pay us lip service, and leaders who wouldn't be caught dead making religious or ethnic slurs don't hesitate to disparage the "godless" among us.

From the White House down, bright-bashing is seen as a low-risk vote-getter. And, of course, the assault isn't only rhetorical: the Bush administration has advocated changes in government rules and policies to increase the role of religious organizations in daily life, a serious subversion of the Constitution. It is time to halt this erosion and to take a stand: the United States is not a religious state, it is a secular state that tolerates all religions and — yes — all manner of nonreligious ethical beliefs as well.

I recently took part in a conference in Seattle that brought together leading scientists, artists and authors to talk candidly and informally about their lives to a group of very smart high school students. Toward the end of my allotted 15 minutes, I tried a little experiment. I came out as a bright.

Now, my identity would come as no surprise to anybody with the slightest knowledge of my work. Nevertheless, the result was electrifying.

Many students came up to me afterwards to thank me, with considerable passion, for "liberating" them. I hadn't realized how lonely and insecure these thoughtful teenagers felt. They'd never heard a respected adult say, in an entirely matter of fact way, that he didn't believe in God. I had calmly broken a taboo and shown how easy it was.

In addition, many of the later speakers, including several Nobel laureates, were inspired to say that they, too, were brights. In each case the remark drew applause. Even more gratifying were the comments of adults and students alike who sought me out afterward to tell me that, while they themselves were not brights, they supported bright rights. And that is what we want most of all: to be treated with the same respect accorded to Baptists and Hindus and Catholics, no more and no less.

If you're a bright, what can you do? First, we can be a powerful force in American political life if we simply identify ourselves. (The founding brights maintain a Web site on which you can stand up and be counted.) I appreciate, however, that while coming out of the closet was easy for an academic like me — or for my colleague Richard Dawkins, who has issued a similar call in England — in some parts of the country admitting you're a bright could lead to social calamity. So please: no "outing."

But there's no reason all Americans can't support bright rights. I am neither gay nor African-American, but nobody can use a slur against blacks or homosexuals in my hearing and get away with it. Whatever your theology, you can firmly object when you hear family or friends sneer at atheists or agnostics or other godless folk.

And you can ask your political candidates these questions: Would you vote for an otherwise qualified candidate for public office who was a bright? Would you support a nominee for the Supreme Court who was a bright? Do you think brights should be allowed to be high school teachers? Or chiefs of police?

Let's get America's candidates thinking about how to respond to a swelling chorus of brights. With any luck, we'll soon hear some squirming politician trying to get off the hot seat with the feeble comment that "some of my best friends are brights."

Daniel C. Dennett, a professor of philosophy at Tufts University, is author, most recently, of "Freedom Evolves.''

Originally published in the New York Times, July 12, 2003