domingo, 4 de julho de 2010

H. L. Mencken contra o resto



H. L. Mencken (1880-1956) foi um dos jornalistas norte-americanos de prosa mais ágil e incisiva que já tive oportunidade de ler. Não seria nenhum exagero dizer que ele está na lista dos autores cujas ideias mais me divertiram. Gosto da prosa de Mencken em especial pela virulência com que ele ataca a estupidez em suas variadas formas de manifestação: a política norte-americana, o conservadorismo, os criacionistas e o chamado “senso comum”.

O que de melhor dispomos de Mencken em português está coletado na obra “O livro dos insultos”, organizada e traduzida por Ruy Castro, que apesar de fazer um jornalismo muito do sem-sal é apreciador da prosa viperina do “Leão de Baltimore”.



Bueno, em tempos bicudos como os que correm, é sempre bom relembrar a coragem de escritores como Mencken. O exemplo que vou apresentar trata de questões religiosas, mais especificamente, do debate entre criacionistas e evolucionistas nos EUA. Em 1925, ele se posicionou vigorosamente frente a um caso de estupidez exemplar, envolvendo uma acusação a um professor de biologia, John Scopes, processado por ensinar “evolucionismo” em uma escola de Dayton, Tennessee. O caso, que foi parar em um Juri popular, foi assim retratado por Mencken em uma crônica publicada no verão de 1925, uma semana antes do início do julgamento.

“Homo Neanderthalensis, H. L. Mencken

As razões de o homem inferior odiar o conhecimento não são difíceis de discernir. Ele o odeia porque o saber é complexo – porque impõe um fardo insuportável à sua minguada capacidade de absorver idéias. Assim, ele está sempre à procura de atalhos. Todas as superstições são atalhos dessa natureza. Sua meta é tornar simples e até óbvio o ininteligível. E isso prossegue no que parecem ser níveis mais altos. Ninguém que não tenha tido uma instrução prolongada e árdua é capaz de compreender sequer os conceitos mais elementares da patologia moderna. Mas até um lavrador no arado consegue captar em duas lições a teoria da quiroprática. Daí a vasta popularidade da quiroprática entre os desvalidos – assim como da osteopatia, da ciência cristã e de outras charlatanices similares. Elas são idiotas, mas são simples – e todo homem prefere o que pode entender áquilo que o intriga e desanima.

A popularidade do fundamentalismo nas camadas inferiores dos homens explica-se exatamente da mesma maneira. Todas as cosmogonias com que lidam os homens instruídos são exageradamente complexas. Seu mais simples esboço requer um imenso cabedal de conhecimentos e o hábito de pensar. Seria tão fútil tentar ensiná-las aos camponeses ou ao proletariado urbano quanto tentar instruí-los sobre os estreptococos. Mas a cosmogonia do Gênesis é tão simples que até um campônio é capaz de aprendê-la. É exposta num punhado de frases. Oferece ao homem ignorante a irresistível sensatez do absurdo. E assim, ele a aceita com altos cânticos de louvor e tem mais uma desculpa para odiar seus superiores.”

Descontado o elitismo, muito característico de sua pena e de sua época, trata-se de uma bela provocação a postura anti-intelectual de grande parte das crenças que nos cercam, sejam elas religiosas ou seculares.

Um comentário:

  1. Se eu não me engano, esse foi o primeiro caso desse tipo.

    Quanto ao elitismo do texto, eu li mais como ironia (e muita boa, diga-se de passagem).

    Abraço.

    Nathaniel

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