sábado, 26 de maio de 2012

Os lugares escuros de James Ellroy


Jamais a conheci em vida. Ela existe para mim através dos outros, como prova dos caminhos em que a sua morte os lançou. Voltando ao passado, buscando apenas fatos, eu a reconstruí como uma menina triste e uma prostituta, quando muito alguém-que-poderia-ter-sido, rótulo que também poderia se aplicar a mim. Gostaria de lhe ter concedido um final anônimo, de tê-la relegado a breves palavras de detetive, num relatório sumário de homicídio, com cópia carbono para o legista, e mais papelada para enterrá-la em vala comum. O único erro em relação a esse desejo é que ela não teria gostado que fosse assim. Por mais brutais que sejam os fatos, ela gostaria que fossem todos revelados. E como lhe devo muito e sou o único que sabe a história inteira, incumbi-me de escrever essas memórias. James Ellroy, Dália Negra.

Confesso que as histórias policiais ajudaram a me tornar um leitor contumaz. Na escola primária, quando as visitas à biblioteca eram livres, eu sempre me dirigia para a estante de livros infanto juvenis de mistério. Em que série eu estava? Talvez na quinta série do ensino fundamental. Um pouco mais velho, li inúmeros “clássicos” como Agatha Christie e o grande Arthur Conan Doyle. Da Agatha, me livrei. Não posso dizer o mesmo dos livros do Sherlock Holmes.

Ainda que com o passar do tempo meu gosto literário tenha se complexificado, volta e meia eu volto aos livros policiais. Dashiell Hammet, Raymond Chandler, Chester Holmes e alguns outros são boa leitura, ao contrário de toda uma coleção de péssimos escritores, chatíssimos, como esses Dean Koontz e Robert Ludlun, os quais devo dizer que nunca me chamaram a atenção.

Depois de um longo período sem ler nenhum romance policial, começo a ler sobre um certo James Ellroy. Mais do que escritor, pelo que vi, é dono de uma biografia interessantíssima e hábil na criação de mitologias em torno de si. Ellroy chamou muito a atenção de vários dos jornalistas que escrevem nos “suplementos culturais” por sua língua afiada e seus “modos”.


Sergio Rodriguez fez uma comparação interessante entre dois autores contemporâneos, ambos estadunidenses e autores de obras grandes, amplos painéis de uma época. Jonathan Franzen e James Ellroy. A citação é longa, mas foda-se, isso é um blog, não é? Aí vai:


Isso não quer dizer que eles sejam parecidos. Nem de longe, embora ambos se declarem fãs e devedores do grande mestre do romance oitocentista, Leon Tolstoi. Quer dizer apenas que mérito e reconhecimento são curvas independentes, que se encontram e se desencontram de modo imprevisível. Ellroy é mais fragmentado, nervoso, experimental, paranoico, sujo e desbocado que seu compatriota que vem sendo chamado de gênio. Em vez de aspirar a um romance redondo, produz narrativas prismáticas e cheias de arestas que incorporam personagens da vida real, notícias de jornal e relatórios de legistas. Despreza a classe média “normal” que é o pasto de Franzen e se concentra em marginais e poderosos, extremos que se tocam. Parte de um gênero que os críticos de nariz em pé consideram menor, a literatura policial, e, embora seja preciso esquartejá-lo para fazer sua abordagem eminentemente política caber nesse escaninho, paga um imposto alto por ter sangue e armas nas capas de seus livros.
Não é só. Distante da imagem de bom moço de Franzen, Ellroy é um ex-detento e ex-drogado para quem a literatura foi de fato uma boia na tempestade – dado biográfico que, ao mesmo tempo que ajuda em sua divulgação em nossos tempos de culto à personalidade, contribui para folclorizá-lo e diminuí-lo como artista. Além do mais, parece meio maluco e já andou se declarando “o maior escritor policial que jamais viveu”. Antipático, não?


Antipático? Ora, vamos realmente acreditar que um cara como Ellroy está minimamente preocupado em ser simpático?

Acabei de ler “Meus lugares escuros”, uma das obras publicadas mais recentemente em português. Saí convencido de que se trata de alguém que está muito pouco preocupado em agradar. Esta obra é uma espécie de autobiografia, escrita como um rosário de obsessões. Ele começa o livro com uma descrição detalhada do assassinato de sua mãe, Jean Ellroy, quando James tinha dez anos de idade. Em um primeiro momento coloca-se à distância, narrando as circunstâncias em que o corpo da ruiva (ele se refere a mãe dessa forma ao longo de quase toda a obra) foi encontrado, em meio a hera.

Na segunda parte do livro, narra as circunstâncias de sua vida que o levaram à literatura. A solidão de Los Angeles, onde vivia com o pai, as horas que dedicou à leitura de romances policiais e, no início da adolecência, a descoberta das drogas e da marginalidade. Ellroy passou inúmeras vezes pela prisão por pequenos crimes, morou cinco anos nas ruas como mendigo, usou drogas em escala farmacêutica e acabou salvo. Não pela fé, mas pela literatura.

A terceira parte do livro é narrada no compasso dos acontecimentos. Ellroy maduro e reconhecido como escritor decide voltar à cidadezinha onde a Ruiva foi assassinada e reabrir a investigação. E a partir daí o que é narrado é um acerto de contas do autor com o seu passado. Barra pesadíssima.

Isso não é uma resenha, então, encerro por aqui. Se quiserem saber mais, leiam o livro. 

domingo, 20 de maio de 2012

Meditação futebolística de ocasião


Ouvia há pouco o Sala de Domingo, programa esportivo da Rádio Gaúcha. É geralmente muito ruim. Hoje não foi diferente. Ouço em parte por masoquismo, em parte porque domingo é dia de futebol.

Mas hoje, devo confessar, eu tinha um motivo extra para ouvir. Queria acompanhar a choradeira dos comentaristas ao falar da vitória do Chelsea. Não deu outra. Eu tinha certeza que ver um time de azul, retrancado e levando o caneco contra um time de vermelho evocaria as piores lembranças nos nossos comentaristas.

Mas que maravilha! Definições clássicas do discurso sobre a contradição performativa “futebol arte” foram evocados. Nando Gross falou do anti-jogo do Chelsea. Do defensivismo. Do crime que foi cometido contra o verdadeiro futebol. Da beleza do futebol do Barcelona. Alguém da mesa jogou o tema que todos mastigavam mas não tinham coragem de enunciar: o Grêmio da década de 1990. O grande Grêmio do futebol ortodoxo, uma verdadeira máquina de jogar bola, administrada pelo grande Felipão, o homem que deu ao Brasil seu mais recente título Mundial, o Brasil de Anderson Polga e do grande Emerson, o volante de contenção.

O Nando Gross, quase arrancando as calcinhas por cima da cabeça, chega ao absurdo de evocar o lamentável Armando Nogueira, o mais lembrado defensor do futebol bailarino de todos os tempos, autoproclamado inimigo número 1 da grande escola futebolística gaúcha de equipes memoráveis, como o Grêmio das décadas de 80 e 90, do Brasil de Pelotas da década de 80 e, até mesmo, do Renner e do Força e Luz dos anos 50. 

O nosso prezado comentarista chegou ao aparente absurdo de afirmar que Armando Nogueira não era futebolisticamente carioca, mas sim brasileiro. Ora, com essa eu concordo. O Grêmio era e voltará a ser do Prata. 

E nesse crise maníaca de defesa do indefensável, esse futebol bailarino, um jogo que mais parece uma dança, um mero ritual malemolente e absolutamente inconsequente, eles, é claro, vieram falar da derrota de Sarriá. E junto com essa lembrança, só comparável em grandeza com a Copa de 1950, vem todo o papo furado sobre a seleção de 1982. Seleção que ganhou o que mesmo? NADA.

Alguns dos componentes da mesa, pra fechar, lembraram a manifestação do abominável Armando Nogueira quando o Grêmio de 1997, jogando um futebol ortodoxo, vergou o Flamengo dentro do Maracanã, o Flamengo namoradinha do Brasil, de Sávio e Romário e desse mesmo Luxa que agora está (lamentavelmente) na casamata do Grêmio.

Os exemplos não paravam de ser oferecidos: o Porto, campeão mundial; o Once Caldas, que entornou a calda dos namoradinhos do Brasil São Paulo e Santos; a Grécia da Euro... Confesso, fazia tempo que não me divertia tanto, ainda por cima reforçando minha tese sobre a essência do futebol...


segunda-feira, 14 de maio de 2012

A alegria é a prova dos nove


Tenho uma pequena lista de coisas à espera de um comentário aqui no Blog. Dentre elas, uma saltou na frente, furou a fila e ganhou (como louvor) a vez: o show “Caixa de Ódio”, de Arrigo Barnabé.

Arrigo, Paulo Braga e Sergio Espíndola já haviam passado pelo StudioClio há alguns meses, apresentando esse particularíssima interpretação de alguns clássicos de Lupicínio Rodrigues. Para minha alegria, trouxa que sou não havia conseguido vê-los na sua primeira passagem pela cidade do Grêmio e do Lupi, voltaram com a corda toda. E que belo show! Arrigo Barnabé e seus brilhantes companheiros de palco deram uma roupagem saborosíssima aos petardos, carregados de ressentimento, do grande Lupicínio.


Um detalhe interessante sobre as interpretações das canções de Lupicínio. Em uma apresentação de “Caixa de Ódio”, veiculada pela TV Cultura, Arrigo afirmou que não era um cantor, mas uma espécie de ator. Arrigo, que se iniciou musicalmente na música erudita, nunca abandonou o laboratório da composição, que é onde ele parece se sentir totalmente à vontade. Nos anos 70, abraçou a cultura pop da época, misturando literatura pulp, quadrinhos e rock n' roll, os encharcou de dodecafonismo, Bartok, Stockhausen e outras mumunhas e criou Clara Crocodilo. Nos anos 80, seguiu fazendo experiências musicais com a chamada vanguarda paulista. Ou seja, sempre cantou, mas isso deve ser visto por ele como um meio de dialogar a sua peculiaríssima mistura do pop com o erudito.

Dito isso, é preciso considerar que ele cantou e muito. A sua interpretação é carregada de ironia e veneno. Mas definitivamente não vai na mesma linha dos grandes intérpretes de Lupicínio, sobre todos pairando a figura de Jamelão. O lance é outro. Ou não.

O que os três apresentaram no StudioClio foi música e além disso, uma interpretação das composições de Lupicínio que valorizam as suas crônicas dos amores desfeitos, da traição, da inveja e da dor. E o polumético Arrigo, de modo muito inteligente, faz com que isso não soe brega. A sua verve irônica recupera todo o cinismo presente nas letras do Lupicínio, sem se levar a sério em demasia. É, pari passu a todas as virtudes musicais, um show muito divertido.   

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Juvenília raulseixista revisited




Raul Seixas é um fenômeno curioso. Nas conversas “sérias” sobre a MPB não é comum ouvir algo sobre ele. Via de regra, as análises recaem sobre a obra de Caetano Veloso, de Chico Buarque e de alguns outros poucos compositores. Por outro lado, o apelo popular de Raul Seixas é impressionante. Virou grito de guerra em qualquer lugar onde haja música ao vivo (toca Raul!) e tem o seu público em constante processo de renovação. É muito expressivo o número de fãs que eram crianças ou mesmo nem haviam nascido quando ele morreu, em agosto de 1989.

Devo dizer que eu não ouvia Raul com muita frequencia quando ele morreu. Em 1989 eu tinha 11 anos de idade e ainda não era um grande consumidor de música. Deveria ter uma ou duas fitas em casa com músicas dele. Mais tarde, ali por 1992, comecei a ouvir sistematicamente, a colecionar seus discos (em LP e, logo depois, em CD).

Mais importante do que isso, comecei a rastrear algumas das referências que estavam espalhadas por suas composições. A partir de suas músicas, me interessei por cinema antigo, literatura e rock and roll, de todas as gerações. De “O dia em que a Terra parou” a Bob Dylan, do Bhagavad Gita a Luiz Gonzaga, passando por Elvis, Beatles, pelos beats e pelos hippies. Raul foi uma excelente porta de entrada para a cultura pop e de algum modo, um apoio importante para alguém que se sentia tão sozinho quando eu. Em função de Raulzito, li muito, ouvi muita música, fiz amigos por correspondência, criei um Fanzine (eram 12 páginas, escritas por mim, xerocado e enviado pelo Correio) e cheguei ao ponto de escrever para a sua mãe (o mais interessante, ela respondeu a minha carta).

Assistir ao documentário “Raul: o início, o fim e o meio” me fez, por duas horas, passar um pouco da minha adolescência a limpo. Achei o documentário muito bem montado. Não é apelativo, não explorou excessivamente o aspecto por assim dizer trágico de sua personalidade. Alcoólatra e cocainômano, Raul daria margem para um grande programa de desgraças ao sabor da mídia televisiva. Esses temas não foram tangenciados, mas também não ocupam um espaço excessivo na história que o diretor estava disposto a narrar.

Acima de tudo, o que se vê ali é um artista, extremamente criativo, muitas e muitas vezes mal compreendido. Suficientemente inteligente para querer mudar o mundo e suficientemente anárquico para saber que isso não era possível. Francamente, pensando em tudo isso, tenho certa pena de quem nunca foi patético. Absolutamente patético.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Disseram que eu voltei americanizada...

O cineasta Fernando Meirelles, ao receber uma homenagem Cine PE - Festival do Audiovisual, resolveu, por assim dizer, chorar as mágoas. Segundo ele não vale a pena produzir cinema no Brasil, uma vez que a resposta de público é muito pequena. Tudo por conta da audiência de Xingú, filme dirigido por Cao Hamburger e por ele produzido.

Dos extratos reproduzidos de sua fala, o que chamou a minha atenção foi a sua leitura do público de cinema no país. Disse ele: “Nós temos uma classe C nova que não ia ao cinema antes e esse pessoal é formado no audiovisual pela TV. Então hoje a gente vive uma realidade de filmes que poderiam estar na TV e estão nas telas”.

Acho que há um misto de ingenuidade e de preconceito em sua fala. E veja bem, desavisado leitor, não acho que falar mal das opções estéticas das classes c, d, e... seja um pecado, punível com chicote. O erro está em acreditar que o, digamos, mau gosto, é um privilégio das classes menos favorecidas e/ou “emergentes”. Convenhamos, o Brasil é absurdamente democrático nesse aspecto. Há mau gosto em todas as classes.

A constatação de que há todo um segmento de público que é formado pela estética da telenovela é velha como a Sé de Braga. Pergunto: no Brasil, qual o percentual das pessoas não é formado pelo audiovisual? Será mesmo que o público que lotou as salas do país para assistir “Cidade de Deus” era somente formado por cinéfilos? Frequentadores de cineclube? Fãs de Godard? Ora, é óbvio que não.

Cá entre nós, "Cidade de Deus" é um filme banal. Um clipe da MTV com duas horas de duração que caiu no gosto popular rapidamente, chegando a ser convertido em uma série pela Globo, sob o nome de “Cidade dos Homens”. É um filme, digamos, competente. Comparado com certas coisas produzidas pelo Jorge Furtado ou pelo Carlos Gerbase, ele pode até mesmo ser elevado aos mais altos patamares do cinema nacional. Partindo de critérios absolutos, no entanto, sempre me parece coisa de publicitário descoladinho.

Confesso que desse papo todo que rolou na rede sobre a fala do Meirelles, a única informação que me tranquilizou foi o engavetamento do projeto de levar à telas "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Merquior


Ainda no primeiro semestre de 2012 José Guilherme Merquior estará de volta às livrarias do país. Já comentei isso de passagem no Facebook e volto ao assunto, mais uma vez sem o vagar merecido.
Indiscutivelmente, seu nome vem carregado de alguns preconceitos por parte daqueles que, mais velhos, acompanharam a sua trajetória. Os mais jovens, em sua maioria, não o conhecem. Nunca leram nada que ele tenha escrito, ele nunca será indicado por parte significativa de seus professores, restando-lhe o esquecimento.
Se eu ouvisse uma descrição objetiva e fria de Merquior, o mais provável seria não simpatizar com ele. Há alguns predicados irritantes. Protegido do lamentável Roberto Campos, apoiador, ao menos em um primeiro momento de Fernando Collor de Mello, além de ser um entusiasta do neoliberalismo. Pensando bem, no entanto, em que isso interfere em suas virtuosísticas análises de poesia, por exemplo? Digo isso porque ouvi, em mais de um lugar e de vários “intelectuais” algo como - vais ler esse cara, ele era um “direitoso” e blá, blá, blá, sem um argumento concreto, no melhor estilo não li e não gostei.
Para que possamos pesar bem as coisas, devemos também levar em conta as suas virtudes, algumas delas constantes desde a sua aparição para a inteligência brasileira, quando publicava crítica de poesia no Jornal do Brasil aos 18 anos. Acho, tendo lido vários de seus livros, que elas são maiores, mais profundas e mais decisivas do que esses defeitos que elenquei no parágrafo acima.
Crítico arguto de literatura, dono de um repertório sofisticadíssimo que ia da filosofia às artes visuais, da ciência política à crítica literária, com inúmeras paradas entre cada um desses portos, Merquior não fazia média, muito menos concessões quando se tratava de debater idéias. Era um polemista de peso, desses que não se vê mais circulando pelos suplemementos culturais dos jornais e pelas revistas de grande circulação, seu habitat natural. Escreveu nos maiores jornais e revistas do país, com regularidade e sempre “batendo forte”.
Vou salvá-los de meus elogios ao Merquior e deixá-los uma dose de sua acidez. Duas críticas, separadas por quase 10 anos, servem de amostra. Espero que a volta de suas obras aos leitores faça com que ele seja mais lido, até porque sigo ouvindo estudantes de letras afirmando que nunca leram uma linha do que ele escreveu. São dois artigos:
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O estruturalismo dos pobres*

José Guilherme Merquior

* Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 27 de janeiro de 1974.

Se você quer estudar letras, prepare-se: que idéia faz você, já não digo da metalinguagem, mas, pelo menos, da gramática generativa do código poético? Qual a sua opinião sobre o rendimento, na tarefa de equacionar a literariedade do poemático, de microscopias montadas na fórmula poesia da gramática/gramática da poesia? Quantos actantes você é capaz de discernir na textualidade dos romances que provavelmente (tres-)leu? E que me diz do “plural do texto” de Barthes – é possível assimilá-lo ao genotexto da famigerada Kristeva? Sente-se você em condições de detectar o trabalho do significante no nouveau roman, por exemplo, por meio de uma “decodificação” “semannalítica” de bases glossemáticas? Ou prefere perseguir a “significância”, mercê de alguns cortes epistemológicos, no terreno da forclusão, tão limpidamente exposta no arquipedante seminário de Lacan?
Mas não, nem tudo é assim tão difícil: não me diga que acha duro compreender Abraham... Moles! Aliás, esse esoterismo não se restringe ao campo literário; estende-se à filosofia, ameaça a área inteira das ciências humanas. Hoje em dia, até os primeiranistas de jornalismo aprendem a questionar o Ser através de “colocações” heideggerianas, com grande luxo de trocadilhos etimológicos tão solenes quanto ridículos (os heideggerianos não tomaram conhecimento da arrasadora crítica de Nietzsche à falsa “profundidade” em filosofia).
E se você acha o estruturalismo uma parada, é pura ingenuidade sua: talvez você não saiba que o velho estruturalismo está superado, tão superado quanto a estilística; o estruturalismo vieille école faleceu em 1968, assassinado por Chomsky e pelo movimento de maio. Você não viu A Estrutura Ausente, do Umberto Eco? ... Já está circulando, traduzida para uma língua vagamente aparentada com o português. Compre logo, e leia se puder: porque quem não se informa não comunica, e quem não comunica se estrumbica, conforme adverte o sábio Chacrinha (cada povo tendo o Mc Luhan que merece).
Graças ao “estruturalismo” no seio das humanidades estrepitosamente tornadas “científicas”, vinga e prospera o mais franco terrorismo terminológico. A seu lado, todavia, pontifica um não menor “terrorismo metodológico” (Starobinski). Pois o estruturalismo é o paraíso do Método; a nova crítica, por exemplo, se alimenta do mito do Modelo mecanicamente aplicável. Pós-graduandos incrivelmente ignaros, outrora incapazes, por simples analfabetismo, de empreender a interpretação de obras pejadas de referências culturais, agora se entregam sem nenhuma inibição à volúpia de aplicar a torto e a direito modelos “científicos” de análise. O Método está ao alcance de todos (em módicas prestações); e “o crítico é o seu método”, sentencia com fervor um dos mais recentes oficiantes do culto estruturalista. A interpretação literária se converte numa espécie de gincana: o negócio é acumular as “leituras” segundo São Propp, São Greimas, São Todorov, São Genette et caterva, a menos que se venere o guru supremo da sofisticação lingüística, o staretz do M. I. T., Roman Jakobson, para quem poesia é pura combinatória verbal, e o único aspecto referencial extralingüístico digno de atenção na literatura se limita a sua relação com as demais artes (cf. JAKOBSON, Roman. “Questions de Poétique”. Paris, Seuil, 1973, p. 145-151).
Não existe um estruturalismo: existem no mínimo vários, tão diferentes na inspiração quanto no grau de consistência dos seus resultados. A ninguém ocorreria comparar a sério pesquisas do porte da história das religiões comparativas de Dumézil, em quem a revolução antropológica levi-straussiana reconhece um estruturalista avant la lettre, com as gratuitas elucubraçõezinhas de Genette ou Todorov; e seria altamente injusto equiparar a problemática de um Foucault aos graciosos arabescos especulativos, totalmente despojados de gume sociológico, de Althusser e sua súcia. Mas é em vão. O estruturalismo mítico subjuga todas as denúncias, repele todas as discriminações e usurpa o magistério humanístico. Como esperar da Ciência redentora que atenda às recriminações dos “passadistas”? ... No máximo, o Saber estrutural se limita a devorar seus ídolos. Lévi-Strauss já era; viva Lacan!... Quanto a Jacques Derrida, derrubou com galhardia o próprio totem do novo credo: Saussure em pessoa.
O mito da Ciência se expande, mas o senso de objetividade declina. Voltemos ao caso da crítica literária. Naturalmente, a crítica estruturalista sempre exorta gravemente a “ir ao texto”. Na realidade, porém, a penúria de exames objetivos, a indigência de análises genuinamente imanentes, tem sido a regra. Segundo a censura insuspeita de Lévi-Strauss, a crítica dita estrutural sofre de crônico ventriloqüismo: em vez de avançar, laboriosamente, na inteligência do texto, projeta quase sempre nele as fantasias teórico-metodológicas do crítico parisiense (ou de seus entediantes discípulos). Como o fetichismo do método “científico”, a mística da “textualidade” mal encobre a grossa arbitrariedade das interpretações. Apesar de sacralizado, o texto vira mero pretexto... “Tia” Estilística, essa excelente senhora tão caluniada, era bem mais sensível, bem mais escrupulosa, em face do discurso poético.
É certo que a estilística era praticada por gente da sensibilidade e da cultura de um Spitzer, um Auerbach ou um Augusto Meyer, e não por universitariozinhos tecnocráticos de consternadora estreiteza mental, como T. Todorov ou esses sinistros jakobsonianos tupiniquins. De acordo com a doutrina estruturalista, a superioridade de um Jakobson, em relação a Spitzer e Auerbach, reside no método. Essa supervalorização do método espelha uma crendice típica – a de achar que Jakobson, por ser um dos pilotos da revolução científica na lingüística, é também automaticamente “científico” quando pia no terreno da crítica, onde, aliás, não é raro vê-lo “sacar” tranqüilamente a propósito de assuntos em que não goza de nenhuma autoridade especial, como, por exemplo, história da arte. Mas essa repugnância em reconhecer a diversidade de jurisdição dos setores – lingüístico e literário (diversidade que não exclui, bem entendido, a existência de importantes relações entre ambos) – não tem absolutamente nada de científica. A história se repete: no estruturalismo, como ontem no positivismo, o mito da Ciência violenta os próprios hábitos, e o próprio rigor, da verdade ciência.
O pedantismo e a esterilidade estruturalistas assolam Paris. Tanto assim, que já se observa o esboço de uma sadia reação. Serge Moscovici, por exemplo – autor do notável “La societé contre Nature” –, acaba de passar uma espinafração em regra nos “epistemocratas”, esses viciados num coquetel bem parisiense: a “batida” de gauchisme irresponsável com bizantinismo intelectual. E até o Anti-Édipo de Deleuze e Guattari, flor da sacação pós-estruturalista, já vem sendo considerado uma regressão, descabeladamente metafísica, a posições pré-(e não pós-, como pretendem seus autores) freudianas.
Entre nós, porém, a praga atua de modo mais daninho. O pedantismo da “matriz” (cinqüenta anos depois da explosão ao mesmo tempo nacionalizante e universalista do modernismo, voltamos a macaquear abjetamente os piores aspectos da cultura francesa), o abuso agressivo de terminologia superfluamente hermética em lugar do real trabalho de análise, quase nunca depara, neste Brasil de jovens e precaríssimas universidades, com a resistência da pesquisa séria e do ensino crítico. Ao contrário: como as universidades “brotam” agora (numa expressão demasiado rápida para ser levada a sério), e os ignorantes se diplomam e se doutoram às centenas, a arrogância intelectual mais oca e mais inepta se dá facilmente ares dogmáticos de ciência exclusiva. No entanto, os sacerdotes do Método não sabem sequer português. Nossa ensaística atual é o paraíso do solecismo, o éden do barbarismo. Se você encontrar um título sobre “escritura”, não creia que se trata de uma obra para tabeliães: trata-se mesmo é de “écriture”, que os nossos preclaros estruturalistas não sabem traduzir por “escrita”... ¹
A estruturalice nacional se proclama revolucionária. Como certos vanguardismos paranóicos, que, por mais que se digam ferozmente antiacadêmicos, jamais conseguiram disfarçar sua natureza de subversõezinhas tão vazias quanto ritualísticas, sempre consentidas, quando não programadas, pelo establishment cultural, o estruturalismo corteja a fraseologia da ruptura. Contudo, por trás dessa belicosidade ideológica, podemos vislumbrar uma conivência bem conformista com a situação crítica da intelligentsia latino-americana e, em particular, com a crise da educação superior. Não é por acaso que o ator ou espectador por excelência do festival estruturalista é o aluno ou ex-aluno da universidade massificada; da universidade que, desejando-se socialmente antielitista, por fidelidade ao imperativo da democratização do ensino, vem destruindo, consciente ou inconscientemente, o outro elitismo da universidade tradicional – o seu legítimo aristocratismo intelectual.
O fetichismo dos métodos simplistas, a superstição mais do que ingênua da “cientificidade” incomprovada (patente no fascínio pelos modelos lingüísticos como panacéia hermenêutica), o prestígio do palavreado abstruso, o servilismo bobo diante das fontes estrangeiras erigidas em oráculo mítico, numa palavra, todos os semblantes do “terror” estruturalista possuem o mesmo pressuposto – a rarefação do espírito crítico cansada e estimulada pelo abaixamento intelectual da universidade, no preciso instante em que esta se lança a abranger ou incorporar a quase totalidade do trabalho literário e erudito. Não é à toa que a universidade brasileira menos atraída pelo delírio estruturalóide – a USP – é a mais sedimentada, a mais amadurecida das nossas instituições do gênero.
Para o lukacsiano Carlos Nelson Coutinho, a voga estruturalista (em que ele não distingue o joio do trigo) é pura ideologia burguesa – a ideologia dos anos prósperos e doces da sociedade de consumo, “filosofia” sucessora da onda existencialista, que teria sido um reflexo das angústias do pós-guerra. Será?... Essa interpretação que ignora candidamente os avatares da alienação ideológica nas sociedades não-capitalistas, joga com correlações macro-sociológicas muito pouco mediatizadas. Qualquer que seja a dialética entre a estruturalice e a evolução social global, tudo indica que ela passa pela dinâmica interna da intelligentsia e de seus âmbitos institucionais, o primeiro dentre estes sendo, nestes tempos de “revolução educacional” (T. Parsons) a universidade. E é essa dinâmica interna – posta em conexão com os notórios defeitos e deficiências dos processos de vida intelectual no Brasil – que parece explicar os aspectos teratológicos do clima estruturalista no arraial literário, filosófico e (lato sensu) sociológico. Uma coisa é certa: dos estruturalismos europeus, a variante verde e amarela tende decididamente a desconhecer o que têm de positivo, e a agravar o que trazem de mau. Entretanto, se, ao exacerbar as taras do seu paradigma parisiense, o estruturalismo dos pobres é caricatura, ao denunciar fidedignamente as distorções do nosso ambiente universitário, ele se faz retrato. Por isso, se o “estruturalismo” é, em si, uma inutilidade, muito útil se torna estudar as condições de florescimento do estruturalismo dos pobres – o que é a melhor maneira de desmistificá-lo.

Nota:
1 – Bem sei que escritura, em português, é também sinônimo de escrita; aparece precisamente nesse sentido até num antigalicista feroz como Filinto Elísio (Carta ao amigo Brito, versos 9 e 34). Tratando-se, porém, de uma acepção em desuso, não seria ingênuo supor – quando ela ocorre em textos inçados de “decodificações”, “literariedades” e outros francesismos gratuitos – que a palavra resulta de uma escolha estilística, e não da ignorância do vernáculo por tradutores de meia tigela?

A lepra lingüística*

José Guilherme Merquior

*Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 4 de janeiro de 1983.

Outro dia um locutor da rádio “cultural” de Brasília apresentou uma peça de música barroca dizendo que seu título era “A Rainha de Sheba” – pronunciando, naturalmente, “xeba”. Poucos meses antes, o público da televisão assistiu a um filme dublado em que Rex Harrison, fazendo o papel do papa “Julius” II, voltava de uma viagem à “Rumânia”... e enquanto isso, uma outra película dublada, se não me engano uma história de James Bond, classificava de “feudos” sangrentos os conflitos entre duas organizações mafiosas. Alguém precisa realmente cuidar um pouco mais da nossa pobre língua – nosso principal instrumento de pensar e de viver – e impedir que semelhantes absurdos tenham o livre curso que vêm tendo, aos montes, em nossos meios de comunicação de massa.
É claro que a tarefa não é fácil. Afinal, vivemos num país onde mesmo as pessoas sofisticadas acham feio dizer “Genebra” e insistem em usar “Genève”, embora massacrando, sem querer, bem entendido (é a punição dos esnobes), a pronúncia francesa. E acham muita graça na generalização de mulambos sintáticos como “Você receberá tudo que tem direito” ou “O esforço a que o candidato se propõe” ou em contra-sensos semânticos do tipo “o comitê organizador da feira preparou o evento”. Ninguém se incomoda muito com o estado da língua, e menos que todos os milhares e milhares de bárbaros e solecistas que ganham, cada ano, diplomas em profusão. A gente chega até a sentir certo complexo de culpa, e a tentação de indagar se não está sendo muito “elitista” com esse tipo de exigência...
Na minha infância, porém, como na minha adolescência, qualquer ex-colegial, como suponho o seja o nosso locutor radiofônico, sabia que “Queen of Sheba” é “Rainha de Sabá” – ao passo que ele, coitado, só sabe (e já é muito) que “queen” é “rainha”. O papa era conhecido como Júlio, não como “Julius”, e nunca foi à Rumânia, ou, melhor dito, Romênia e sim à Romanha (Romagna), região do centro-leste da Itália. Em suma, cada pessoa medianamente educada que lidava com o inglês ou o francês conhecia razoavelmente duas coisas: o português, e a chamada cultura geral, aquela tal que “fica quando se esquece tudo mais” e serve ao menos para que seu detentor não passe vergonha. Quase nulo era o risco, há apenas vinte anos, de que um tradutor vertesse “laissez-faire” por “deixe estar” – sim, leitor, não esfregue os olhos: “deixe estar”, tal como se pode ler no volume “Raymond Aron na UnB” – uma universidade que publica anualmente uma verdadeira pletora de traduções, mas se obstina em considerar de somenos garantir um nível mínimo de correção lingüística a seus textos.
Nem se veja nessa crítica um puro lamento “social” – algo assim como o constante sobressalto de nossas elites mais antigas ante as sucessivas ondas de “parvenus” sem maneiras, da “turma que toma sopa de garfo”, como se diz, graficamente, no Sul. A maior vítima da nossa tragédia em matéria de cultura lingüística não é a elegância do falar – é, pura e simplesmente, a eficiência da comunicação. Pouquíssimos os que ainda sabem fazer um relato (quanto mais um relatório) decente, objetivo e articulado; pois a ruína da sintaxe acompanha a penúria do léxico. Nas empresas, nos governos, voltamos – em plena era da alfabetização maciça – ao princípio da Renascença, quando os serviços dos raríssimos letrados profanos (os humanistas) eram disputados como talentos ultravasqueiros... Quem ignora que, no Rio de Janeiro, prosperam “fábricas” de teses de pós-graduação, encomendadas a peso de ouro por mestrandos e doutorandos semi-analfabetos? E já há casos de chefes de departamentos de letras ainda rigorosamente virgens de qualquer comércio mais íntimo com a gramática da regência e da concordância. Um deles, emérito lacaneta.
A mais insigne monstruosidade perpetrada contra a educação brasileira – o vestibular unificado, sem redação – está na raiz da nossa lepra lingüística. Mas é preciso frisar que o mal reside na cultura (e no sistema educacional) e não no próprio idioma. Como sistema lingüístico, o português continua a demonstrar notável aptidão para o enriquecimento e a renovação, conforme vem registrando o Aurélio e vêm notando destacados estudiosos nacionais e estrangeiros, a começar (do lado de cá) por um Celso Cunha ou um Antonio Houaiss. A língua é rica e plástica; a fala (no sentido de Saussure, e portanto, tanto oral quanto escrita) é que anda pobre e trôpega. De resto o fenômeno sofre a inevitável refração imposta pela amplitude e variedade do Brasil, capaz de fazer com que a gente pobre de São Luís se expresse, em média, infinitamente melhor do que a juventude burguesa de Copacabana ou Belo Horizonte. Compete a todos nós concitar os poderes públicos e as autoridades do ensino a pôr cobro a essa situação alarmante, em que a práxis cada vez mais barbarizada do português ameaça relegar a opulência e cultura da nossa linguagem ao estado de uma “reserva” aristocrática – espécie de latim do espírito, sem nenhuma correspondência prática no cotidiano da vida social.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Hitch 22



Confesso que antes de começar a leitura de Hitch 22, livro de memórias de Christopher Hitchens, minhas expectativas não eram muito altas. Já havia lido outros livros de Hitch, “Deus não é grande”, as suas “Cartas a um jovem contestador” e “O cristianismo é bom para o mundo?”. Além disso, havia passado os olhos por alguns ensaios de “Amor, pobreza e guerra”, em especial os ensaios literários. Devo dizer que a sua introdução ao Augie March de Saul Bellow é digna de nota. Inteligente sem ser afetado, direto sem ser simplório. Não deixei de apreciar Hitchens personagem de Hitchens, uma de suas melhores facetas, que pode ser apreciado em suas inúmeras participações televisivas.

Minha desconfiança, como se pode perceber facilmente pelo que afirmei no parágrafo anterior, não vem do desconhecimento do autor, velho conhecido de quem eu gostava bastante. Nem mesmo pelo tipo de narrativa que eu poderia encontrar, uma vez que aprecio muito as narrativas em primeira pessoa e mesmo memórias, ainda que muitos autores não sejam suficientemente cruéis consigo mesmo como o foram com terceiros.

Sem grandes convicções, fui à livraria de sempre buscar um exemplar. Comecei como sempre gosto de fazer, com um teste drive no Café da Livraria Cultura. Confesso que fiquei fortemente impressionado com o texto e não consegui largá-lo antes de vencer as suas 578 páginas, lidas em duas ou três investidas.
Tenho grande apreço por esse tipo de personagem. Hitchens equilibra, em suas memórias, a experiência histórica da Inglaterra do pós-45 com as suas escolhas, vai se expondo sem demonstrar receios. É um franco atirador, direto, não se esconde atrás de eufemismos. Expõe um pouco de sua experiência familiar em dois capítulos sensíveis, o primeiro, dedicado a sua mãe e o segundo, ao seu pai. Se não chega a expor as feridas abertas, não deixa de mostrar algumas das cicatrizes. Seu irmão, Peter, não ocupa mais do que algumas páginas de sua narrativa.

Um dos pontos altos do livro é a análise que faz da experiência de classe que rondava a cabeça de famílias inglesas de classe média, dramatizada pela entrada em uma escola privada e interna e do que isso significava. Ela remete a um tema muito lembrado por escritores ingleses e mesmo os estadunidenses, os ritos de passagem e de relações de amizade e mesmo sexuais vividas então. É todo um jogo de distinção social que se descortina, com as suas disputas, hierarquias e descobertas, em grande medida decidindo a sorte dos personagens ali envolvidos. Essa vida escolar é evocada em diversos pontos e acaba servindo de material na formação do futuro escritor e do espírito contestador de Hitchens.

Se esse é o ponto alto do livro, acho que o ponto mais polêmico, que ocupa parte significativa de suas páginas, é a adesão de Hitchens ao grupo de intelectuais que apoiaram a invasão do Iraque. Há justificativas bem apresentadas, com as quais não precisamos necessariamente concordar e sobre as quais não pretendo discorrer com muito vagar: o autor procura, nesse balanço de sua vida, por constantes que dão coerência às suas escolhas, que vão desde a sua militância trotskista nos anos 1960 e 1970 até o início dos anos 2000, quando ele se torna franco defensor do ataque ao Iraque e da captura de Sadam Hussein.

Hitchens demonstra que seu conhecimento sobre a realidade iraquiana e dos países do oriente médio vinha dos seus tempos de correspondente de jornais ingleses e passava pelos anos de militância, seja no jornalismo, seja na política.

Seu desprezo por regimes ditatoriais e teocráticos, era antigo e suas raízes podem ser ligadas à solidariedade com a minoria curda, cuja realidade ele conhecia bem ou às perseguições sofridas por intelectuais secularistas como o escritor e seu amigo Salman Rushdie, na década de 1980 ou Ayaan Hirsi Ali, nos anos 2000. O seu antídoto para isso? O internacionalismo, o cosmopolitismo, a solidariedade internacional e o secularismo radical, conceitos que são usados ao longo do texto para, de algum modo, explicar como fez as suas escolhas.

Aqueles que partem para a leitura de Hitch 22 atrás de um bufão e de litros e litros de whisky, perdem a viagem. Mas ganham a leitura de um belo livro.

domingo, 24 de julho de 2011

Pola Oloixarac


Assisti outro dia uma entrevista da nova queridinha da literatura latino-americana, Pola Oloixarac. Afetada, marqueteira e pelo que vi, burra de dar dó, a moça capricha no visual e vem com um papinho que podemos encontrar facilmente em qualquer barzinho bicho grilo. A entrevista foi constrangedora tanto pela pose da escritora quanto pela atitude do entrevistador que escorria em superlativos ao falar de seu livro.

Entre um bloco de perguntas e respostas e outro, era lidos alguns trechos de "As teorias selvagens". A primeira coisa que me ocorreu foi: se esses são os pontos altos, imagina o que o resto me reserva.
Sem querer julgar rápido demais, fui à Livraria Cultura, peguei o livro e pedi um expresso duplo. Antes de o café me deixar com queimação no estômago, a prosa emPolada (sorry...) de "As teorias selvagens" fez o serviço.

Lugares comuns, caricaturas baratas dos "intelectuais" que aparecem em sua trama, tudo isso com cheiros de filosofia pop tornam o todo bastante enfadonho. A "espiada" que dei na sua obra já fez com que eu me sentisse totalmente liberado do "compromisso" de lê-la com maior atenção, até porque a lista de obras para serem lidas antes da mais nova candidata a queridinha dos suplementos de cultura dos jornais de grande circulação é extensa. Fiquei satisfeito ao ver que ao menos um crítico aponta, em seu comentário, para a mesma direção. Colo abaixo um pedaço do texto de Luciano Trigo sobre a Flip e, mais especificamente, sobre a "hermana".

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"Se no ano passado a cubanita Wendy Guerra foi apontada como sex symbol, em 2011 a musa anunciada foi a argentina Pola Oloixarac. No quesito sedução, cheia de olhares e bocas e pernas cruzadas e risinhos e da falsa timidez de quem se acha muito gostosa com seu batom vermelho e suas mechas, bem, dá para dizer que ela cumpriu seu papel. Mas ao abrir a boca, na mesa que dividiu com o angolano – este sim escritor, este sim cativante – Walter Hugo Mãe, Pola deixou a desejar. Incapaz de articular um pensamento completo, mas pretensiosa a ponto de citar Kant, com o olhar sempre em busca da câmera, ela parecia mais preocupada em ser vista nos telões por um bom ângulo do que em dizer coisas inteligentes. Pelo ângulo literário ela não se destacou. Se essa tendência continuar no ano que vem, melhor chamar logo a Larissa Riquelme." (http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2011/07/09/pilulas-sobre-a-flip/)

sábado, 2 de julho de 2011

Oscar Wilde


A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela, também. Oscar Wilde